“A alimentação e o ato de comer compõem parte importante da
cultura de uma sociedade. Estão relacionados à identidade e ao sentimento de
pertencimento social das pessoas e envolvem, ainda, aspectos relacionados ao
tempo e à atenção dedicados a estas atividades, ao ambiente onde eles se dão, à
partilha das refeições, ao conhecimento e informações disponíveis sobre
alimentação, aos rituais e tradições e às possibilidades de escolha e acesso
aos alimentos.”
O ato de comer diz, conta, expressa o que é uma sociedade.
“Nosso patrimônio alimentar é resultado do diálogo histórico entre culturas
diversas como a dos povos indígenas, dos migrantes forçados da África e das
populações migrantes portuguesa, espanhola, italiana, alemã e japonesa, entre
outras. Somado a isso, os distintos biomas que compõem nosso país proporcionam
uma valiosa sócio biodiversidade, expressa pela variedade de frutas, verduras,
legumes, sementes oleaginosas, cereais e leguminosas, contribuindo não apenas
com o nosso patrimônio culinário, mas também com uma imensa disponibilidade de
variados nutrientes, essenciais para uma alimentação saudável.”
Os parágrafos acima fazem parte do Documento de Referência da 5ª
Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, a realizar-se em
Brasília de 3 a 6 de novembro, sob coordenação do Consea (Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional) e da Caisan (Câmara Interministerial de
Segurança Alimentar Nutricional), com o lema Comida de Verdade no Campo e na
Cidade: por Direitos e Soberania Alimentar.
O ato de comer é político. E é democrático. Nestes tempos
difíceis, até bicudos, onde ventos fortes ameaçam a democracia tão duramente
conquistada na luta e na mobilização social e que está no centro do debate no
Brasil, na América Latina e no mundo, o valor da democracia precisa ser
afirmado em todos os momentos e espaços.
Sentamos à mesa para comer. Sentamos com a nossa família, a
comunidade. Repartimos o que está sob nossos olhos. Todos comem o que e quanto
querem. Não há diferença, não há privilégios. Ninguém é mais que ninguém.
Ninguém é menos que ninguém.
O direito à alimentação realiza-se quando há igualdade. Por
isso, todas e todos, mulheres e homens, jovens, crianças e idosos devem ter acesso
ao alimento como direito. É proibido alguém passar fome quando há igualdade
econômica e social. Só existe fome quando a desigualdade existe e impera.
Soberania alimentar é democracia. É decidir sobre como e o que
produzir. É decidir sobre o que e quanto comer. É decidir sobre nossa vida e
liberdade. É não deixar os outros mandarem nos nossos alimentos, portanto,
sobre o nosso quintal ou a nossa roça. É não ser pau mandado. “Comida de
verdade é, portanto, uma questão de soberania alimentar, pois se relaciona ao
direito dos povos de decidir sobre o quê e como produzir e consumir os
alimentos”. Alimentos adequados e saudáveis, sem venenos, não transgênicos.
Comida de verdade no campo e na sociedade é cultura e vivência
de valores. A Carta da Amazônia, aprovada no Encontro Temático Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional na Amazônia, acontecido em Belém de 9 a 11 de
junho, diz:
“Comida de verdade na Amazônia é entendida como patrimônio cultural
e expressão de modos de vida tradicionais, onde têm grande relevância os laços
de solidariedade e reciprocidade nas comunidades. É oriunda de sistemas
alimentares caracterizados por uma biodiversidade extremamente rica,
representada pelo valioso conhecimento tradicional de seus povos sobre as
plantas comestíveis e medicinais, frutos, sementes, raízes, fauna silvestre e
aquática e peixes. A região amazônica é caracterizada pela riqueza de sua sócio
biodiversidade.”
A Carta do Encontro Temático das Mulheres em Porto Alegre,
realizado em Porto Alegre dias 8 e 9 de julho, fala: “Destacamos a histórica
atuação das mulheres – e, em especial, as indígenas, quilombolas e as negras –
na preservação dos ecossistemas e das sementes locais e/ou crioulas, pois elas
detêm um conhecimento vasto e tradicional sobre a biodiversidade.”
Comida de verdade no campo e na cidade é democracia pura. Mas a democracia do ato de comer deve
transbordar para a vida real de cada comunidade e para o cotidiano da
sociedade. No diálogo e na participação social e popular, constroem-se políticas
públicas que garantem ‘comida de verdade no campo e na cidade’. Constrói-se
soberania, constroem-se direitos e igualdade, constrói-se democracia.
“Soberania alimentar é democracia. É decidir sobre como e o que
produzir. É decidir sobre o que e quanto comer. É decidir sobre nossa vida e
liberdade. É não deixar os outros mandarem nos nossos alimentos, portanto,
sobre o nosso quintal ou a nossa roça. É não ser pau mandado.”
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