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quinta-feira

É possível entender Nietzsche?


Friedrich Wilhelm Nietzsche é um dos poucos filósofos cujo nome não invoca opções doutrinárias e atitudes intelectuais. Ao contrário. Evoca um estilo de pensar e uma prática de vida. O nietzschismo não é apenas um tema ou uma tese de refregas acadêmicas entre historiadores das ideias como aconteceu no kantismo. Não houve uma escola nietzschiana propriamente dita. Muitas vezes, porém, a sua obra é uma referência polêmica para artistas, literatos, políticos e filósofos. Mais de uma vez, em épocas de inquietação e desassossego, o nietzschismo há de surgir como uma palavra de ordem provocativa ou escarnecível, arrebatadora ou repulsiva. Mais: até mesmo um apelo a sublevar e derruir a tradição moral de berço platônico, inclusive a civilização ocidental e cristã.

Por certo, Nietzsche não é um monstro sagrado. Mas também não é um pensador ignoto. Longe disso. Os intelectuais, mesmo os que dele discordam, respeitam o seu pensamento. Assim falou Zaratustra - talvez o seu livro mais lido! - cuja primeira parte escrita em dez dias foi redigida em Rapello, nas proximidades de Gênova, em 1883; a segunda, após a morte de Wagner; a terceira, na França, em março de 1884; e a quarta e última, em Nice, em abril do mesmo ano, encanta qualquer público.

Zaratustra, escreve, tem eterno direito a dizer "eu traço círculos e fronteiras sagradas em torno de mim: sempre mais raros são os que comigo sobem montanhas sempre mais altas - eu construo um maciço de montanhas sempre mais sagradas". E adita: "Somem-se o espírito e a bondade de todas as grandes almas em uma: todas juntas não seriam capazes de produzir uma fala de Zaratustra. Tremenda é a escala em que ele se move; ele viu mais longe, quis mais longe e pôde mais longe que qualquer homem. Ele contradiz com cada palavra, esse mais afirmativo dos espíritos; nele todos os opostos se fundem numa nova unidade". E acrescenta: "Não há sabedoria, pesquisa da alma ou arte do discurso antes de Zaratustra: o mais imediato, o mais cotidiano fala das coisas inauditas ali". E ainda falando sobre o seu Zaratustra, assim se expressa: "Com Zaratustra fiz à humanidade o maior presente que até agora lhe foi feito. Não é só o livro mais elevado que existe, autêntico livro do ar das alturas; é o mais profundo, o nascido da mais oculta riqueza da verdade, poço inesgotável onde balde nenhum desce sem que volte repleto de ouro e bondade". E nele escreve: "Os figos caem das árvores, são bons e doces: e ao caírem rasga-se sua pele rubra. Um vento do norte soa para os figos maduros. Assim como os figos vos caem ensinamentos, meus amigos: bebei seu sumo e sua doce polpa! É outono em torno e puro céu e tarde". Mas logo Nietzsche se rebela e exclama indignado: "Afastai-vos de mim e defendei-vos contra Zaratustra! Melhor: envergonhai-vos dele! Talvez ele vos tenha enganado!".

Entender Nietzsche, filósofo, caro leitor, é vencer dificuldades que, decerto, nenhuma outra obra filosófica apresentou ou apresentará. Em seus textos não se deve jamais buscar uma filosofia do sentido da história. Nietzsche permanece no terreno de uma "psicologia", de uma antropologia que assevera como "natural" a busca universal da felicidade, e não pode admitir na ordem da natureza nenhuma exceção para o homem, "ser vivo entre os seres vivos". O próprio Kant não pôde superar uma moral da felicidade a não ser invocando um estranho "fato da razão" de ordem transcendental. Pois bem. O que Nietzsche descobre na vontade de poder não é uma paixão entre outras, por importantes que sejam, mas só ela explica toda outra paixão, todo outro desejo, toda outra vontade que não é, em última análise, senão uma manifestação fraca, a única noção de "vontade" cuja extensão pode desenvolver-se da mais simples planta ao animal mais complexo, da "ameba ao homem", sem perder-se no vazio de uma vontade em si sem objeto. Destarte, ela "comanda" toda a psicologia que se torna ela mesma teoria da vontade de poder.

Nos bancos universitários e, mais tarde, já professor da UFPel, mantive, juntamente com meus alunos, inesquecíveis encontros com Nietzsche. Agora, na aposentadoria, dedicado à literatura e às minhas óperas, acabo de manusear com nostalgia, mas com o espírito em alerta, as páginas amarelecidas pelo tempo de uma obra magnífica: Ecce Homo.

Nela, escrita em 1888 - enquanto o Brasil liberta os seus escravos! - Nietzsche se questiona se suas obras podem ser facilmente lidas. Ou melhor: entendidas por seus contemporâneos. "Por que escrevo livros tão bons?", se pergunta. "Uma coisa sou eu, outra são meus escritos". Por Deus! Ecce Homo é uma das mais belas e instigantes obras da língua alemã; o livro mais singular jamais escrito por um pensador. Nele, o autor faz um balanço da sua vida. Mas não é mera autobiografia. É confissão. É interpretação. É uma síntese de seu pensar. De seus temores. De seus conflitos. Um grande pensador - talvez um dos mais influentes da sua época! - Nietzsche fala de suas influências. De sua paixão. De como pariram seus textos. De seu modo de vida. De suas aflições. De seus objetivos. Nele - totalmente desnudo! - faz um original intróito de si mesmo.

Mais de um século após a sua morte - ele morreu em 1900 - após tantas discussões, depois de tantos empenhos interpretativos, após análises eruditas, o que se poderá fazer para que a particular inaturalidade de sua obra seja enfim, ao homem, inteligível? É a pergunta que deixo ao caro leitor, neste domingo outonal. Mas assim é Nietzsche. E como é bom reencontrá-lo!

sábado

Mais decência para docência



A Lei do Piso Nacional do Magistério, além de ter criado um padrão para uniformização e melhora dos salários dos professores do país, trouxe importante alteração (que não está recebendo a devida atenção) em relação à limitação da carga horária para o trabalho direto com os educandos.

Para tanto, a Lei do Piso limitou a jornada de trabalho do professor para 2/3 do total das horas trabalhadas em sala de aula e o terço restante, reservou para preparação e elaboração de aulas e para a formação do docente.

O que busca a Lei do Piso, com esta inovação, é proporcionar ao professor espaço necessário e de qualidade para complementação da sua formação. Somente assim, com a redução da carga horária, haverá oportunidade para que o professor possa se aperfeiçoar e enfrentar as rápidas mudanças que o ensino atual exige.

A reorganização da estrutura pedagógica do ensino público passa por alguns fatores determinantes, dentre os quais podemos destacar: o aperfeiçoamento dos educadores e o seu maior envolvimento com a comunidade escolar, pontos essenciais na busca de uma educação com qualidade. A modernização do ensino, acompanhando as necessidades atuais, deve ser buscada permanentemente e isso somente será possível se o professor tiver tempo para planejar suas atividades.

A Lei do Piso é muito mais abrangente do que, simplesmente, o aumento de salário que vem sendo discutido entre os professores e os governantes. Esta lei inovadora deu aos docentes, também, oportunidade para avanço na sua formação profissional, entregando-lhes tempo para que se aperfeiçoem pedagogicamente e envolvam-se com o meio estudantil.

Resta saber se os nossos governantes, que discutem o índice de correção do Piso Nacional do Magistério, cumprirão a redução da carga horária que todos os professores têm direito.