Eu tenho visto um
grande número de economistas e intelectuais em geral analisando a crise
brasileira em curso e não me conformo com os termos por eles colocados a
respeito do sujeito que deverá ser o protagonista para a superação da mesma.
Falam, em geral, que a “sociedade” terá que fazer opções, ou mais essa ou mais
aquela, como se para isso o governo não existisse.
Fica implícita nessas
falas a ideia de que tal “sociedade”, essa coisa indefinida, é que pode dar os
rumos da nação. A tal “sociedade” não existe, é figura de retórica que esconde
um fato grave: a ideia de que o povo governa diretamente o Estado, confusão vem
de longe e praticamente desde a origem do Estado democrático moderno.
Alguns até anseiam pela
democracia direta, mas essa não existe em parte alguma porque é impraticável e,
quando é tentada, torna-se um instrumento de legitimação de governantes
totalitários.
Percebo que essa gente
fala na tal “sociedade” de boa fé, porque se recusa a ver o óbvio: que mesmo
uma república democrática é um regime misto. A democracia só vale até as urnas
serem fechadas, depois caberá à classe política, eleita, e aos funcionários
públicos a gestão dos negócios do Estado.
Não é a tal “sociedade” que delibera e
governa, mas essa elite que é distinta da sociedade, mas a representa. Em
miúdos, cabe ao governo constituído deliberar sobre os ramos da nação e não a
uma suposta sociedade organizada.
Esse viés também ajuda
a esconder a mediocridade das análises e das proposições. Economistas e
intelectuais mais das vezes precisam agradar aos governantes e evitam fazer
declarações que estejam em desacordo com as crenças correntes. Admitir que o
sujeito exclusivo do processo é o governo é uma dificuldade mental, pois os
tais intelectuais pelejam para ver a prática das crenças de Rousseau na
democracia direta.
Dizer que é um regime
misto que está vigente é dizer o óbvio, mas aí tem a palavra detestada a ser
dita: há uma aristocracia que governa parte dela temporária (cargos eletivos) e parte
dela permanente, os funcionários públicos.
O tamanho da crise que
se criou colocou inclusive os interesses específicos dessa aristocracia
governante em xeque. Por exemplo, a elevação dos proventos dos funcionários do
Poder Judiciário. Obviamente que o que se pretendia elevação de quase 80%, é incompatível com a
escassez em que o Tesouro está mergulhado.
Ainda assim, os
funcionários estão em greve, ignorando solenemente o desemprego galopante e o
arrocho salarial que está em curso no setor privado. Os magistrados superiores
tiveram então que encontrar um meio termo mais de acordo com os tempos
frustrando a aristocracia judiciária.
Nenhum órgão é mais
aristocrático e apartado da sociedade do que aqueles que compõem o Poder
Judiciário.
Isso não quer dizer que
os governantes ignorem a realidade para a tomada de decisão. Como agora,
algumas vezes há paralisia decisória precisamente porque objetivos
contraditórios estão postos. Como combater o desemprego se se elevam os
impostos, por exemplo, elevação essa exigida pela penúria da arrecadação? Outro
exemplo é o desejo coletivo de estabilidade de preços colidindo com a
necessidade do realinhamento dos preços relativos, como o que foi feito com o
câmbio e a tarifa da energia elétrica. A armadilha mais das vezes é gerada pela
cegueira ideológica, que impede a correta hierarquização dos objetivos a serem
alcançados.
Essas contradições são
colocadas porque o Estado alcançou tamanho gigantesco e os interesses
cristalizados em torno de suas despesas impedem a racionalidade na execução
orçamentária. Os jornais de hoje informam a disposição dos governadores dos
estados de elevar tributos e tarifas, no momento em que parte considerável da
população está desempregada e empobrecida.
Certos que alguns nem conseguem mais pagar os
salários do funcionalismo, todavia o drama mensal da conta de luz agigantada
pelo tarifaço dá o tamanho da tragédia em que estão vivendo os mais pobres. Os
governadores estão impelidos pela inércia contraditória de ou reduzir despesas
ou aliviar o sofrimento geral da população. É claro que a hipótese de reduzir
despesas nunca foi cogitada seriamente. Agora isso precisa acontecer. Quem
viver verá.
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