A advocacia vive
momentos difíceis. Não bastasse um Judiciário abarrotado e lento – que
compromete a atividade fim do causídico – e o diuturno desrespeito às
prerrogativas profissionais por toda sorte de servidores públicos, advogadas e
advogados brasileiros agora se deparam com preocupante novidade:
questionamentos sobre a origem dos honorários advocatícios recebidos e tentativa
de consequente criminalização da profissão.
É notícia da semana: o
deputado federal Celso Pansera (PMDB/RJ), com atuação na CPI da Petrobras,
oficiou ao Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, titularizada pelo juiz
federal Sérgio Fernando Moro, solicitando a indicação dos acusados defendidos
pela advogada Beatriz Catta Preta, com o fito de apurar a eventual origem
ilícita dos honorários a ela pagos por seus clientes, em clara tentativa de
imputar à profissional a prática do crime de lavagem de dinheiro.
Trata-se de um
inadmissível ataque ao livre exercício da advocacia, que deveria ter provocado
contundente rechaço e amplo protesto por parte da Ordem dos Advogados do
Brasil. É intolerável que a prática de uma atividade honrosa e lícita seja
emparedada no campo do direito penal.
Para usar alguns
exemplos prosaicos: acaso cometeria crime de branqueamento de capitais o
cirurgião plástico que presta serviços a um acusado de tráfico de drogas? Ou um
vendedor de concessionária automotiva que realiza venda regular a um agente
público corrupto? Claro que não! Então por qual razão haver-se-ia de imputar
esse crime à advogada ou advogado que prestam seu lícito serviço jurídico?
Note-se que, além de
não se encontrar o advogado inserido no rol do artigo 9 da Lei de Lavagem de Dinheiro, atitudes desse
jaez afrontam as prerrogativas profissionais previstas no 7 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos
Advogados do Brasil, notadamente a garantia de “exercer, com liberdade, a
profissão em todo o território nacional” e a “inviolabilidade de seu escritório
ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua
correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que
relativas ao exercício da profissão”.
E não se está aqui a
fazer qualquer defesa motivada por inspirações corporativas. Não! É que ataques
ao livre exercício da advocacia representam a fragilização das garantias
individuais do cidadão e, em última análise, do próprio estado de direito.
Afinal, quando o poder estatal se volta contra o indivíduo, quer para
privar-lhe da liberdade, quer para privar-lhe do patrimônio, a primeira e única
trincheira de defesa do cidadão é seu advogado. Fragilizado este, comprometida
está a defesa daquele.
Sem a intenção de
generalizar, triste é constatar que em muitos casos o ataque ao livre exercício
da profissão e às prerrogativas do advogado partem das carreiras jurídicas
coirmãs: Ministério Público e Magistratura.
Estas, por certo, merecem a maior deferência
da sociedade e a observância intransigente de todas as garantias que lhes
outorgou a Constituição Federal. Jamais, porém, o fortalecimento dessas
carreiras pode se dar à custa da diminuição ou fragilização da advocacia.
Afinal, como mostra a lição ensinada pela recente história republicana, nos
períodos mais duros pelos quais passou a sociedade brasileira, não foi a
Magistratura ou Ministério Público quem se postou na vanguarda da defesa do
cidadão ante a força e o arbítrio estatal, mas a advocacia.
Assim foi durante o
Estado Novo de Getúlio Vargas; assim também nos difíceis anos do Regime Militar
de 1964. Em ambos os casos, destaque para a marcante atuação do intimorato
Sobral Pinto, que à custa dos mais elevados sacrifícios pessoais – inclusive da
própria liberdade – escreveu um dos mais honrosos capítulos da história da
advocacia brasileira.
Atenção, pois,
herdeiros e herdeiras de Sobral: não permitam que em plena democracia a ousadia
de algumas autoridades coloque em xeque o exercício livre e independente da
profissão. É preciso vigiar e reagir. Afinal, como bem crava a frase de autor
desconhecido, “advogado sem prerrogativas é como soldado sem fuzil”.
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