Nunca entendi bem
porque as pessoas põem filhos neste mundo fodido. Principalmente porque boa
parte dos problemas é causado pelas próprias pessoas.
Irresponsáveis criando
mais irresponsáveis.
Nunca entendi bem, e
passei a entender menos ainda depois de ter o meu próprio filho.
Por que fazemos isto?
Qual é o sentido essencial deste ato? O que esperamos disto?
Já concluí que estas
são questões falsas. Não podemos esperar sentidos essenciais para nada.
Os sentidos são
criados. Nós os criamos. Nós temos de inventar os porquês.
Dizem (Lacan, suponho)
que uma mulher se torna mãe no momento em que descobre a gravidez, enquanto o
homem só se torna pai quando o bebê nasce.
Isto me parece natural.
A mulher não tem como
tirar de si todas as transformações, os enjoos, a fadiga, a barriga crescendo,
as posições incômodas para dormir, os chutes nas costelas e os soluços do feto.
Está dentro dela.
Bebê e mãe são um só.
O pai é um espectador.
Foi convidado para a festa, mas tem de vê-la do lado de fora.
A realidade da
paternidade só desaba sobre os ombros do pai quando o bebê sai, chorando e
tremendo, e nas noites sem sono que se seguem.
O pai nasce junto com o
filho.
“O parto é um milagre;
uma prova da nossa centelha divina”.
Quantas vezes já não
ouvi algo semelhante expresso com outras palavras?
Para mim, assistir ao
parto do meu filho foi a maior evidência da nossa natureza animal. É realmente
um milagre, mas sem nenhuma relação com entidades supremas. É tão miraculoso e
extraordinário quanto uma borboleta abrindo suas asas pela primeira vez após
seu tempo no casulo.
Este é o nosso contato
mais íntimo com todos os demais mamíferos; é o nosso vínculo com todas as
demais criaturas vivas que subjugamos ou exterminamos.
O bebê nasce e, em
contato com a pele da mãe, ameaça engatinhar, arrastando-se centímetros em
direção ao peito.
Quão frágil somos neste
instante, a mais dependente de todas as criaturas do planeta nesta primeira
etapa! Sentimos medo de machucá-lo, como se fosse frágil e quebradiço.
Ele dorme, mas não
queremos deixá-lo à sós nem um segundo.
Tão pequenininho e
indefeso…
Os três primeiros meses
parecem ser intermináveis. É como se houvéssemos ganhado um bonsai.
Um bonsai que chora,
caga, mama e precisa de atenção vinte e quatro horas por dia.
Já tivemos um bonsai
antes, que morreu em poucos dias. Esquecíamos de regá-lo e de pô-lo para pegar
sol.
Se chorasse, cagasse e
mamasse, talvez o nosso bonsai ainda estivesse conosco.
Os três primeiros meses
são a prova de fogo, ou como dizem os americanos, o momento do “make it or
break it”.
Creio que pais nenhuns
se recuperam deste começo, que nunca mais voltam a dormir como antes, que nunca
mais ouvem um choro se disparar alguns alarmes no cérebro.
O bebê tem tanta coisa
para aprender, mas os pais também.
E não há atalhos.
Então ele começa a rir
e a interagir. O bonsai vira gente.
Os primeiros meses de
um bebê, que podiam muito bem ser usados pela CIA como estratégia de privação
de sono para interrogar prisioneiros, dão lugar aos primeiros instantes
realmente divertidos.
Quase todos os dias há
uma surpresa, uma coisa nova que o bebê passou a fazer, que aprendeu sabe-se lá
como. É uma máquina de aprendizado e nos faz indagar como deve ser incrível ver
tudo pela primeira vez.
Estamos tão calejados
que muitas vezes não percebemos como a vida é fantástica e singular. No
entanto, para o bebê tudo é novidade: a bolinha, o cachorro, as pessoas, as
luzes, as músicas, as sensações, os sabores.
Tudo está acontecendo
pela primeira vez. E dá aquela inveja boa de poder se espantar uma vez mais
diante de tudo.
O artista é um bebê que
jamais deixou de se surpreender.
Há momentos em que os
pais sentam-se num canto e dizem, com as mãos na cabeça: “Não posso mais…”
Há outros em que eles
se abraçam e riem juntos vendo o filho: “Por que esperamos tanto tempo para
vivermos isto?”
E há também quando
estes dois sentimentos ocorrem simultaneamente.
Presenciamos muito a
cena de pais sozinhos com seus bebês aqui na Espanha.
Não há esta divisão
entre o que é papel da mãe e do pai, excetuando por limitações fisiológicas
incontornáveis. Todavia, se um dia descobrissem uma técnica que permitisse ao
pai dar o peito, penso que os espanhóis fariam sem titubear.
Ficaria feliz se meu
filho crescesse num ambiente assim, onde o pai não é somente aquele que paga a
conta.
Ser pais é trabalho em
tempo integral. Trabalho para os dois.
Sem nos darmos conta,
já se passou quase um ano. O bebê, que era tão dependente e estático, agora não
para quieto um segundo. Tem tudo para descobrir e, se ele tiver sorte, sempre
agirá desta maneira, percebendo o mundo como um local para ser explorado.
A grande aventura da
vida.
Não tive pai. Ele
morreu quando eu tinha apenas seis anos. Sempre ouvi que ele era um bêbado e um
vagabundo.
Hoje, acredito que era
apenas uma pessoa que precisava de ajuda, numa época em que isto era somente
vadiagem.
Não sou um bêbado nem
um vagabundo. Quero que meu filho se lembre do meu rosto e saiba quem eu fui de
verdade. Quero estar ao lado dele em seus momentos mais felizes; quero que ele
possa chorar no meu ombro as suas derrotas. Quero me orgulhar dele,
independentemente de suas escolhas, e quero que ele se orgulhe dos pais que
teve.
Não é pedir muito.
Estamos fazendo
escolhas difíceis. Escolhas que influenciarão toda a vida dele, que poderão dar
muito certo ou muito errado, das quais poderemos nos arrepender um dia.
Mas quais pais não têm
tais inquietações?
A grande lição que o
nosso filho aprenderá, se não conosco, certamente ao longo de seus sucessos e
dissabores, é que toda escolha é delimitadora.
Escolher é renunciar a
todas as demais opções. Ser livre é fazer sacrifícios.
Escolhemos estar ao seu
lado.
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