Com uma das taxas mais baixas do mundo de participação feminina
no sistema político, o Brasil estuda aprovar cotas para aumentar o número de
mulheres no Legislativo. Uma proposta de emenda à Constituição (PEC), aprovada
em primeiro turno pelo Senado na semana passada, prevê a reserva de 10% dos
assentos nas próximas eleições, 12% na seguinte e 16% nas que se seguirem, o
que ainda deixaria o país abaixo da média mundial (20%).
Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, o projeto, válido para
todas as Casas Legislativas – municipais, estaduais, distrital e federais –, é
insuficiente para mudar o cenário histórico ínfimo de representação de mulheres
nas instâncias de decisão do país.
“As cotas de gênero são fundamentais para a eleição de mulheres,
mas se não forem significativas – de 30% a 40% –, têm muito pouco impacto”,
afirma Leslie Schwindt-Bayer, da Universidade Rice, nos Estados Unidos,
especialista em questões de gênero na política latino-americana.
A taxa de participação feminina no Legislativo brasileiro é
menor, por exemplo, que no Conselho de Representantes do Iraque (25%) e no
Congresso Nacional argentino (em torno de 35%).
Apesar de a maioria dos eleitores brasileiros serem do sexo
feminino, apenas 9,94% dos 513 parlamentares da Câmara dos Deputados são
mulheres. No Senado, a representação feminina sobe para 16%. Com números tão
baixos, o Brasil aparece na 116ª posição no ranking mundial da União
Interparlamentar (IPU, na sigla em inglês), órgão internacional parceiro da
ONU, que compila dados sobre parlamentos de 190 países.
Maior
representação
A proposta inicial da bancada feminina no Congresso era reservar
30% dos assentos no Legislativo, assim como fez a Argentina, mas o patamar foi
rejeitado pela maioria dos parlamentares. O senador Aloysio Nunes Ferreira
(PSDB-SP), que votou contra a aprovação das cotas, afirmou que a proposta “fere
o princípio da soberania do voto”.
De acordo com Schwindt-Bayer, a adoção de cotas de gênero foi
decisiva para aumentar a representação feminina no legislativo de países
latino-americanos nos últimos 20 anos. Na Costa Rica, onde 33,3% dos deputados
são do sexo feminino, a Lei Eleitoral exige que 50% dos candidatos sejam
mulheres e não permite que duas pessoas do mesmo sexo sejam incluídas de forma subsequente
na lista de candidatos.
O código eleitoral argentino prevê que as listas dos partidos
tenham ao menos 30% de candidatos do sexo feminino e, no Parlamento, é
obrigatório haver ao menos uma mulher a cada dois homens. No ranking da IPU, a
Argentina está apenas duas posições atrás da Alemanha (20º), que conta com um
índice de 36, 5% de participação feminina no Bundestag, a câmara baixa do
Parlamento alemão.
Ruanda foi o primeiro país do mundo a ter maioria feminina no
Legislativo, com 63,8% dos assentos ocupados por mulheres. A Constituição
criada em 2003, dez anos após o genocídio, determina reserva de 30% das
cadeiras para o sexo feminino. A mudança na lei fez a presença feminina saltar
de cerca de 20% para mais da metade dos assentos.
No Brasil, a Lei Eleitoral de 1997 exige que os partidos reservem
30% de candidaturas a mulheres, mas a exigência só chegou a ser cumprida em
2012. “Faltam sanções pelo descumprimento da legislação, o que torna a medida
muito frágil”, diz Luciana Ramos, do Grupo de Pesquisa em Direito e Gênero da
FGV-SP.
O sistema eleitoral em lista aberta, adotado pelo Brasil, também
dificulta a implantação de cotas de gênero. “Uma vez que os partidos não
controlam previamente a ordem dos candidatos na cédula, fica difícil assegurar
que as mulheres fiquem no topo da lista e ganhem assentos”, diz Schwindt-Bayer.
Nas listas fechadas pré-ordenadas, como ocorre na Argentina, é
possível garantir uma cota de eleição de mulheres, já que a ordem de
preferência dos candidatos é determinada antes das eleições. “Já na lista
aberta, a escolha dos partidos é imprevisível. Esse sistema de representação
proporcional não permite uma pré-ordenação, o que dificulta a efetividade das
cotas partidárias já existentes no Brasil”, avalia Ramos.
Partidos
são maior entrave
Segundo Lucia Avelar, pesquisadora do Centro de Estudos de
Opinião Pública da Unicamp, os partidos políticos são a principal barreira para
uma maior inserção da mulher na política.
“Os partidos políticos são instituições muito fechadas e ignoram
os avanços que as mulheres já fizeram na sociedade”, afirma. “Elas exercem
atividades políticas nos bairros, nas ONGs, na sociedade civil de um modo geral
e, mesmo assim, continuam sendo brecadas no sistema político.”
Apesar de haver expoentes femininos na liderança política do
país, não há correspondência nos partidos. “Toda vez que se aproximam dos
partidos, elas têm de ficar num lugar à parte. E na campanha do ano passado,
nem Dilma nem Marina Silva trataram da questão.”
A falta de representação feminina no Congresso prejudica a
elaboração de políticas públicas e afeta os direitos sociais da mulher, de
acordo com Ramos. “Uma das principais pautas prejudicadas é a descriminalização
do aborto e também o aumento da licença paternidade”, diz. “A bancada feminina
no Congresso acaba se concentrando em questões pouco problemáticas, que não
envolvam discussões religiosas e que sejam apartidárias.”
Mesmo sendo maioria entre os filiados nos partidos, de acordo com
levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres têm dificuldades
em avançar a posições de liderança e recebem pouco financiamento de campanha de
grandes empresas.
“As instituições políticas marginalizam as mulheres”, diz Avelar.
“A representação política é secularmente um affair masculino, e há uma clara
obstrução por parte dos homens. Pouquíssimos conseguem levar ao sistema
representativo o universo dos interesses das mulheres.”
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