Onde quer que o ser humano deponha o intelecto à frente do
espírito, o raciocínio por cima da intuição, lá surgem focos de doenças, porque
outra coisa não pode brotar de uma sementeira má. Ao invés de atuar como
espírito humano dentro da matéria, enobrecendo tudo ao seu redor, como é sua
missão, ele age como criatura terrena exclusivamente, como se nada de
espiritual tivesse dentro de si.
Desse modo, tudo o que é originalmente bom, útil e bonito, após
escorrer por seus dedos racionalistas torna-se mau, nocivo e feio. Esse
processo aparece com muita nitidez na arte, seja pintura, escultura ou música.
Contando apenas com o archote bruxuleante de seu intelecto, o
ser humano hodierno torceu até a lei básica do movimento na Criação, a qual
estabelece que algo só pode ser conservado íntegro e sadio se mantido em
contínua movimentação. Aplicada corretamente ao corpo físico, essa lei cuidaria
de mantê-lo sempre são e vigoroso. Mas o raciocínio transformou a salutar
movimentação física em… esporte. E, com isso, o que era sadio tornou-se mórbido
mais uma vez.
A arte do esporte! Louvada e elevada em toda parte, sempre e
sempre, mais e mais. Exaltada com esperança no mundo todo, decantada com
orgulho entre os povos, divinizada com olímpica emoção pelas nações! Como poderia
ser danosa?… Para quem tem olhos para ver, o enaltecimento esportivo atual é
apenas mais uma amostra aterradora de como os conceitos de certo e errado estão
completamente torcidos em nossa época. De como o enrijecimento espiritual já
envolveu quase toda a humanidade, extinguindo suas aspirações mais nobres e
comprimindo seu campo de visão em limites cada vez mais estreitos.
O esporte é, sim, danoso, porque é uma prática artificial,
unilateral e competitiva. Não visa em primeira linha angariar e conservar a
saúde do corpo, senão mostrar quem é o “melhor” numa determinada modalidade. “O
importante não é ganhar, e sim competir!”, rebaterão prontamente inúmeros
discípulos de Coubertin, arautos do esporte enobrecido. Mas não, de jeito
nenhum. Para qualquer esportista desse planeta o importante é, sim, ganhar.
Sempre. E mesmo se algum deles realmente acreditasse nessa utopia, lá no fundo
do seu coração, e não apenas a murmurasse para si próprio entre soluços e olhos
marejados ao perder o primeiro lugar, então seria igualmente insano.
Competir… Para quê? Para um dia ter a honra de escalar o pódio e
divisar com orgulho a bandeira do seu país tremulando acima das demais? Para se
emocionar ao ver todos os “inimigos” calados ali em volta, obrigados a
reconhecer o triunfo de sua nação? Para poder ser ovacionado num carro de
bombeiros e verter lágrimas de herói? Isso é patriotismo?… É para isso que
jovens desperdiçam os melhores anos de suas vidas em treinamentos?
É para isso
que se submetem a cirurgias recorrentes para reparar músculos e tendões
lesionados? É para essa finalidade que se desenvolvem vestimentas especiais e
potentes anabolizantes? É para esse ideal que técnicos famosos, com suas
estratégias de guerra, são contratados a peso de ouro? Doping então é tática de
espionagem? Luxações e distensões são condecorações por combate, medalhas
marcantes por bravura em ação?…
Como é patético ver senhores grisalhos, engravatados, discutir
mui seriamente aspectos futebolísticos num programa de debates, profundamente
compenetrados em analisar lances e emitir diagnósticos e prognósticos. Coisa
mais degradante. Até hilariante seria, não fosse tão ridículo. Incrivelmente
ridículo. Que proveito verdadeiro pode trazer a um povo a conquista de uma copa
do mundo, um título de Fórmula 1, o cinturão dos peso-pesados? Alegria popular?
Orgulho nacional? Triste do país que precisa dessas quinquilharias para se dar
alguma valia, para avivar sua autoestima. Triste do povo que separa
cuidadosamente parte de seus minguados rendimentos para poder ver de longe seus
ídolos esportivos nadando em rios de dinheiro.
E triste da humanidade inteira, que caiu espiritualmente tão
fundo a ponto de não mais conseguir enxergar o papel deplorável que exerce ao
enaltecer essas coisas sem nenhum valor, frutos do raciocínio calculista,
materialista, em detrimento do aperfeiçoamento espiritual.
O esporte competitivo é sempre nocivo, nunca contribuiu para
melhorar em nada o íntimo do ser humano, ao contrário, só fez incutir nele o
anseio de sobressair a todo custo. Essa competitividade continuamente nutrida
por centenas de milhões de terráqueos não ficou sem efeito no ambiente mais
fino que nos envolve.
Extrapolou o âmbito dos estádios e passou a exercer sua
influência nefasta num sem-número de almas humanas que trazem em si um pendor
semelhante. Estas passaram a ser então literalmente assediadas por essas
influências, impingindo nelas a necessidade permanente de competir e competir,
para vencer na vida e salientar-se a qualquer preço.
Os efeitos globais dessa insânia são terríveis. Como, devido a
isso, quase todos os seres humanos se veem hoje como competidores em tudo,
leais ou não, uma simples rusga de trânsito pode facilmente desembocar numa
tragédia, e o próprio trânsito torna-se pista de competição para os atarefados
pilotos do dia-a-dia.
A derrota numa inocente partida de dominó ou num jogo de
cartas tem cacife para infartar qualquer um dos entusiasmados competidores. Um
gol no final do segundo tempo é motivo para pancadaria e morte entre as grandes
massas de competidores, denominadas “torcidas”. Torcida é bem o termo para essa
espécie de gente belicosa.
As empresas, grandes ou pequenas, não visam mais aperfeiçoar
seus produtos e garantir sua sobrevivência, mas principalmente destruir seus
competidores, esmagar a detestável concorrência. Um grande empresário afirmou
que se um concorrente seu estivesse se afogando, sua primeira providência seria
enfiar uma mangueira de água na sua boca. Declarações como essas são tidas como
ditados de suma sabedoria, máximas de grande inspiração, e utilizadas em cursos
de aperfeiçoamento de executivos.
Como se estes campeões de stress não tivessem
sido ensinados, desde tenra infância, a se preparar para uma luta renhida no
assustador mundo competitivo que os aguardava lá fora, de tocaia, tal qual um
bicho-papão insaciável. “O importante é competir!” Eis é o lema atual da raça
humana. Os países competem loucamente entre si, em corridas armamentistas,
espaciais, comerciais e culturais. Competem e competem. Todos competem. E ninguém
mais vive.
Esse é o resultado da competição e da competitividade
desenfreada, o mundo competitivo em que vivemos, do qual o esporte é seu
principal fomentador e patrocinador. É isso que a humanidade tem a apresentar
no presente, ao término do período concedido para o seu desenvolvimento. Um
grande estádio planetário, com bilhões de competidores infelizes, vazios
espiritualmente, é a taça que ela pode erguer agora em triunfo para o seu
Criador, como fruto máximo de sua evolução.
Contudo, se ela pudesse ver com clareza o que gerou para si
mesma com isso, se pudesse ter um pequeno vislumbre do que a aguarda na
reciprocidade, prontamente mudaria seu lema para: “O importante é sobreviver!”
Sobreviver espiritualmente, poder subsistir agora, na época do ajuste final de
contas.
Sonhar um pouco de vez em quando não é errado, pois isso não
acirra nenhuma competição. Mas enquanto alguns poucos ainda se permitem sonhar
acordados com uma improvável, talvez impossível melhoria da humanidade, esta
vive sonhando com sua própria grandeza, embalada na ilusão de sua importância e
de seus feitos esportivos. Em breve, todos nós acordaremos.
Comente este artigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário