A
força que nos move
Há dias
em que tantas idas e vindas do trabalho – repletos de desgastes físico e mental
– se tornam insuportáveis. Seja a empresa familiar onde trabalha, que lidam com
você como se fosse um “empregadinho” que tem que obedecer e ponto.
seja o seu supervisor, que te trata como uma
pessoa dotada de pouca inteligência e que precisa ser menosprezada para
produzir algo; seja aquele seu colega de trabalho, que com toda aquela
superioridade, adora te diminuir com brincadeiras inapropriadas e tem o dom
supremo de querer se parecer com o patrão; seja a rotina cansativa de todos os
dias; seja em qualquer ambiente de trabalho que te presta desserviços – chega
um momento em que a força acaba.
E então,
mesmo que em todos esses anos de trabalho já tenha construído em seu íntimo o
espírito da obediência, há dificuldades em lidar com tais circunstâncias. Sejam
as palavras duras demais, seja o trabalho, exaustivo e repetitivo: um dia vem
aquela vontade de sair sem olhar para trás.
Mas, por
alguns instantes, você espia de soslaio e vê aqueles olhares: de pessoas que
estão ali, na lida diária, que possuem uma força extraordinária e uma alegria
sobrenatural que te ajudam a continuar.
Assim
como você, precisam do salário; assim como você, não tem nada além de sua força
de trabalho; assim como você, possuem uma família para sustentar e pouco tempo
tem para com eles; mas bem diferente de você, eles possuem um gingado para
lidar com a vida e com esses problemas, e uma motivação para seguir em frente,
que conseguem te contagiar.
O que eles
têm de diferente, afinal? Como conseguem manter o sorriso, com pouco dinheiro,
com pouca comida, com o básico? Eles são gratos, pelo pouco que tem. Eles se
alegram, com o tempo que ainda resta. Não reclamam do sol ardente nas costas,
da marmita fria, do grito do chefe.
E, na
hora de ir embora, ainda conseguem te dar um sorriso sincero, e demonstrar
naqueles segundos de despedida um carinho que salta pelos olhos.
É um
mistério, definitivamente, um mistério, como diz o professor Ângelo Cavalcante.
Diante de tanta estranheza de um sistema explorador, cruel, tomador de tudo o
que há, eles estão ali, os explorados, os verdadeiros donos de tudo, contentes
e gratos.
Simone
Weil relata bem em uma de suas cartas que, em dias que seu corpo parecia não
conseguir ficar de pé, os olhos de um colega de trabalho a olhavam com tanta
doçura, transmitiam tanta coragem, que ela conseguia prosseguir.
Essas
pessoas, todas elas, são esses olhos que Simone Weil via. São eles que em
tempos de loucura, de desespero, nos acalentam, nos fazem lembrar da nossa luta
e nos fazer firmes. Seja para permanecer no trabalho, apesar do próprio
trabalho; seja para tentar transformar o mundo e dar então, a eles, o que lhes
foi tirado; apesar da gratidão que demonstram pelo pouco que tem.
Ser agradecido
por tudo talvez seja uma poderosa receita para viver feliz, sempre “apesar de”.
Mas não, não é isso mesmo que proponho. Temos muito o que aprender com essas
pessoas e mais ainda temos que fazer: garantir-lhes tudo o que é seu, por
direito, por razão, pelo seu próprio trabalho, pela sua existência.
Não espero que o contrário aconteça com os
atuais donos do poder: na verdade, quero lhes poupar tantos excessos, tantas
extravagâncias e exageros. A igualdade de posses é um dos grandes passos para a
igualdade de valores: tratar o outro como igual, como tem que ser.
E quando
vier o cansaço da rotina, ouvirmos as crueldades daqueles que acreditam ser
superior a nós, que olhemos os olhos daquele colega que consegue sorrir, apesar
de tudo, e não nos acalmemos: tenhamos ainda mais força para modificar esse
mundo, que há muito, está avesso.
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