E
do abatimento social
Ha uma
discussão pelo mundo afora sobre a “sociedade do cansaço”. Seu formulador
principal, é um coreano que ensina filosofia em Berlim, Byung-Chul Han, cujo
livro com o mesmo título acaba de ser lançado no Brasil. O pensamento nem
sempre é claro e, por vezes discutível, como quando se afirma que “cansaço
fundamental” é dotado de uma capacidade especial de “inspirar e fazer surgir o
espírito”, teorizações, vivemos numa sociedade do cansaço. No Brasil além do
cansaço sofremos um desânimo e um abatimento atroz.
Consideremos,
em primeiro lugar, a sociedade do cansaço. Efetivamente, a aceleração do
processo histórico e a multiplicação de sons, de mensagens, o exagero de
estímulos e comunicações, especialmente pelo marketing comercial, pelos
celulares com todos os seus aplicativos, a superinformação que nos chega pelas
mídias sociais, nos produzem, dizem estes autores, doenças neuronais: causam
depressão, dificuldade de atenção e uma síndrome de hiperatividade.
Efetivamente,
chegamos ao fim do dia estressados e desvitalizados. Nem dormimos direito, desmaiamos.
Acresce ainda
o ritmo do produtivismo liberal que se está impondo aos trabalhadores no mundo
inteiro. Especialmente o estilo norte-americano cobra de todos o maior
desempenho possível. Isso é regra geral também entre nós. Tal cobrança
desequilibra emocionalmente as pessoas, gerando irritabilidade e ansiedade
permanente.
O número
de suicídios é assustador. Ressuscitou-se, como já referi em outra ocasião, o
dito da revolução de 68 do século passado, agora radicalizado. Então se dizia:
“metrô, trabalho, cama”. Agora se diz: “metrô, trabalho, túmulo”. Quer dizer:
doenças letais, perda do sentido de vida e verdadeiros infartos psíquicos.
Detenham-o-nos
no Brasil. Entre nós, nos últimos meses, grassa um desalento generalizado. A
campanha eleitoral turbinada com grande virulência verbal, acusações,
deformações e reais mentiras e o fato de a vitória do PT não ter sido aceita,
suscitou ânimos de vindita por parte das oposições.
Bandeiras
sagradas do PT foram traídas pela corrupção em altíssimo grau por alguns
membros do partido, gerando decepção profunda. Tal fato fez perder costumes
civilizados.
A linguagem se canibalizou. Saiu do armário o
preconceito contra os nordestinos e a desqualificação da população negra. Somos
cordiais também no sentido negativo dado por Sergio Buarque de Holanda: podemos
agir a partir do coração cheio de raiva, de ódio e de preconceitos.
Tal
situação se agravou com a ameaça de impeachment da Presidenta Dilma, por razões
discutíveis ou não.
Descobrimos
um fato, não uma teoria, de que entre nós, vigora uma verdadeira luta de
classes. Os interesses das classes abastadas são antagônicos aos das classes
empobrecidas. Aquelas, historicamente hegemônicas, temem a inclusão dos pobres
e a ascensão de outros setores da sociedade que vieram ocupar o lugar, antes
reservado apenas para elas. Importa reconhecer que somos um dos países mais
desiguais do mundo, vale dizer, onde mais campeiam injustiças sociais,
violência banalizada e assassinatos sem conta que equivalem em número à guera
do Iraque. Temos ainda centenas de trabalhadores vivendo sob condição
equivalente à escravidão.
Grande
parte destes malfeitores se professam cristãos: cristãos martirizando outros
cristãos, o que faz do cristianismo não uma fé mas apenas uma crença cultural,
uma irrisão e uma verdadeira blasfêmia.
Como sair
deste inferno humano? A nossa democracia é apenas de voto, não representa o
povo mas os interesses dos que financiaram as campanhas, por isso é de fachada
ou, no máximo, de baixíssima intensidade. De cima não se há de esperar nada
pois entre nós se consolidou um capitalismo selvagem e globalmente articulado o
que aborta qualquer correlação de forças entre as classes.
Vejo uma
saída possível, a partir de outro lugar social, daqueles que vem debaixo, da
sociedade organizada e dos movimentos sociais que possuem outro ethos e outro
sonho de Brasil e de mundo.
Mas eles
precisam estudar, se organizar, pressionar as classes dominantes e o Estado
patrimonialista, se preparar para eventualmente, propor uma alternativa de
sociedade ainda não ensaiada mas que possui raízes naqueles que no passado
lutaram por um outro Brasil e com projeto próprio.
A partir
daí formular outro pacto social via uma constituição ecológico-social, fruto de
uma constituinte exclusiva, uma reforma política radical, uma reforma agrária e
urbana consistentes e a implantação de um novo design de educação e de serviços
de saúde. Um povo doente e ignorante nunca fundará uma nova e possível
bio-civilização nos trópicos.
Tal sonho
pode nos tirar do cansaço e do desamparo social e nos devolver o ânimo
necessário para enfrentar os entraves dos conservadores e suscitar a esperança
bem fundada de que nada está totalmente perdido, mas que temos uma tarefa
histórica a cumprir para nós, para nossos descendentes e para a própria
humanidade.
Utopia?
Sim. Como dizia Oscar Wilde: “se no nosso mapa não constar a utopia, nem
olhemos para ele porque nos está escondendo o principal”. Do caos presente
deverá sair algo bom e esperançador, pois esta é a lição que o processo
cosmogênico nos deu no passado e nos está dando no presente. Em vez da cultura
do cansaço e do abatimento teremos uma cultura da esperança e da alegria.
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