Pesquisa revela que País não é tão solidário quanto
parece.
Dificuldade de pensar
coletivamente e o individualismo estão entre características marcantes da
cultura brasileira, quase estabelecida no Brasil. Políticos, por exemplo, não
conseguem colocar o país acima de seus partidos ou interesses pessoais. Nem
mesmo respostas descoordenadas, por vezes, xenofóbicas de governos europeus,
diante a maior crise migratória de refugiados, desde a Segunda Guerra Mundial,
coloca nossa nação no topo da generosidade com pessoas desconhecidas. Conforme
pesquisa World Giving Index 2014, ocupamos a 90ª posição no ranking
internacional de solidariedade. O estudo é considerado o mais abrangente do
mundo no que se diz respeito à fraternidade.
A pesquisa é
divulgada anualmente desde 2010, quando o Brasil ocupava o 76º lugar, de um
total de 135 países pesquisados. De lá para cá caímos 36 posições no ranking
das nações tidas como mais solidárias. Foram adotados, pelo levantamento, critérios
de doações, trabalho voluntário e a ajuda a estranhos. O Instituto para o
Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) é responsável pela publicação dos
dados no País.
Os números da
pesquisa revelam que 22% dos brasileiros entrevistados afirmaram ter doado
dinheiro para organizações da sociedade civil, 40% ajudaram desconhecidos e 16%
fizeram algum tipo de trabalho voluntario. Se comparado ao ano de 2013, apenas
o ato de voluntariado expressou aumento, quando era 13%. Já os outros dois
índices apresentaram quedas de 1% e 2% respectivamente. “Somos generosos com
pessoas próximas, mas não com desconhecidos. O Brasil não é um país solidário”,
afirma Paula Fabiani, diretora-presidente do IDIS.
Latino Americanos
De acordo com a
pesquisa World Giving Index, na America do Sul, Venezuela é o país menos
generoso, ocupando a posição 134º, situação idêntica com a do Equador, em 132º
lugar. A nação mais solidária do continente é o Chile, em 50° lugar na lista,
seguido da Colômbia, em 53°. Já Estados Unidos (América do Norte) e Mianmar
(Sul da Ásia) compartilham o primeiro lugar no ranking. O País norte-americano
é o único a liderar em números porcentuais nos três tipos de doação.
A posição de Mianmar
se deve em especial a alta incidência de doações de dinheiro. Nove em cada dez
pessoas naquele País seguem a escola Theravada de budismo, com forte cultura de
solidariedade, o que contribui para que a nação esteja na primeira posição em
doação de dinheiro.
Paula Fabiani
acredita que a pesquisa revela necessidade dos brasileiros trabalharem a
cultura de doação. “No Brasil, sete em cada dez pessoas não fazem doações e
oito em cada dez não praticam qualquer ação de voluntariado. Temos que fomentar
a cultura de doação no País, seja em dinheiro ou tempo. Os dados mostram que a
doação não está apenas relacionada com a questão da riqueza. Uma prova disso
são os Estados Unidos e Mianmar que permanecem empatados em primeiro lugar”,
diz.
Brasileiros negam
imigrantes
Para o pesquisador
Gustavo Barreto de Campos, quando o assunto é hospitalidade, com estrangeiros e
imigrantes, brasileiros não são nada cordiais. A noção histórica de país
acolhedor “não passa de mito”, afirma ele após concluir tese de doutorado, com
mais de 500 páginas, defendida recentemente na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (URFJ). Neste estudo, foram analisadas mais de 11 mil edições de
jornais e revistas publicados desde 1808, sendo possível concluir que, apesar
dos avanços, o racismo na imprensa do país contra o imigrante se manteve
constante. Além disso, conforme Barreto, a aceitação do desconhecido é
seletiva.
A questão do
acolhimento brasileiro é algo complexo e depende da cultura de cada região do
País, analisa especialista em mediação de conflitos Akira Ninomiya. “Num
primeiro momento a gente pode até enxergar certa fraternidade, mas deve se
perguntar se ela realmente é sincera, cultural ou há certos interesses por trás
dela. Já caminhei por boa parte do Brasil trabalhando prevenção e resolução de
conflitos. Teve lugares que fui bem recebido pela própria natureza cultural do
povo, mas também ocorreu em outras regiões o contrário. O tema é muito
peculiar”, explica.
Casos recentes de
truculência contra haitianos ocorridos em um posto de gasolina na região
metropolitana de Porto Alegre e outro em São Paulo, quando foi apontada
suspeita de prática xenofóba, foram incluídos na tese de Campos. O pesquisador
ainda contabilizou a estigmatização sofrida por africanos e haitianos em 2014.
Na ocasião, foi levantada a hipótese de que um cidadão da Guiné estaria contaminado
pelo vírus ebola.
Disfarce
Ninomiya diz que a
cultura no Brasil se comparada a de outros países tende a ser mais fraterna,
porém, em relação aos imigrantes nossa atitude é suspeita. “Às vezes, a
hostilização ao imigrante pode ser por medo, assim como essa agressividade pode
ser um medo disfarçado. Também tem aquele argumento de como: vamos receber,
diante dessa crise no País, outras pessoas ou ser solidários. Daí entra naquela
lei: defendo o que é meu e pronto. Tenho ouvido ainda: se meu País não está bom
para mim, vai está para os outros.”, relata.
De acordo com Gustavo
Barreto, o Brasil ainda tem um longo caminho para colocar em discussão sobre a
imigração. “O refugiado é sempre negativo, um problema grave a ser discutido. O
imigrante é uma questão a ser avaliada, pode ser algo positivo ou negativo, mas
em geral a visão é de algo problemático. Já o estrangeiro é sempre positivo,
inclusive melhor do que o brasileiro. É alguém com quem podemos aprender”,
disse em entrevista a BBC Brasil.
Baseado no estudo da
cobertura do assunto na imprensa ao longo de 207 anos, o pesquisador afirma que
“em geral, os novos imigrantes estão sempre sendo vistos como problemáticos na
sociedade. As notícias não estão discutindo imigração, problematizando o
assunto, e não se vê discussões de política imigratória ou da legislação. O
foco não é a solução ou discutir o tema, mas a noção de crise”, frisa.
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