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domingo

Aceita um copo de água?



Nunca pensei que uma frase tão banal pudesse alcançar o sucesso e a essencialidade que esta alcançou.
Quando se chega, hoje, em qualquer repartição mais representativa ou em qualquer gabinete de maior significação social esta é a primeira oferta, em forma de pergunta: o senhor aceita um copo de água?
É que o calor batendo aí na linha dos 40º( quarenta ) está forçando que bebamos água a todo momento e por qualquer razão ( ou até mesmo sem nenhuma ) E os conceitos mudaram e as avaliações também.
Desta maneira, aquilo que representava extrema simplicidade e declarada carência de recursos passou a ser mais do que uma gentileza de quem não tem outra coisa a oferecer. Tornou-se uma oferta esperada e aceita imediatamente.
Quantas vezes ouvimos este comentário, que era uma reprimenda terrível: Puxa vida, você hein? Fulano esteve aqui o tempo todo e você não lhe ofereceu nem um copo dágua?
Assim, o precioso líquido muitas vezes deslembrado por nós, por se tratar de algo que víamos como corriqueiro, comum e sem nenhum sentido assim mais grandioso, agora ocupa o seu real lugar e tem o seu verdadeiro valor reconhecido.
E sorvemos a água como se estivéssemos bebendo o néctar dos deuses. E haja água para aplacar nossa sede!
Preocupante a situação de alguns Estados em nosso país e de alguns países no mundo onde falta o líquido precioso, até mesmo para beber. A sede é fatal. A ausência da água é mortal.
O mais grave, todavia, e com igual poder destrutivo, é a sede que transcende o nosso corpo meramente físico.
Conta o evangelista João que o Divino Mestre, numa de suas viagens, resolveu sair da Judeia e ir para a Galileia. Mas havia de passar por Samaria. E assim, aconteceu que se encontrou em Sicar, cidade da Samaria. Cansado da jornada, Jesus assentou-se junto ao poço de Jacó. E eis que veio uma mulher samaritana para retirar água daquela fonte.
E dirigindo-lhe a palavra, o Rabi da Galileia falou-lhe: Dá-me de beber.
Este pedido aparentemente simples e de fácil atendimento foi logo incompreendido. Acima da sede e do cansaço do homem Jesus, que pedia água àquela mulher, rescendia dela a mágoa, pois samaritanos e judeus não se comunicavam em razão desta doença mortal que é o sentimento de superioridade de uns sobre os outros, gerador de tantos extermínios de que se tem notícia, no passado (com Hitler e a supostamente superior raça ariana) e no presente (com o Estado islâmico ).
Por isto a resposta atrevida da samaritana:
Como sendo tu judeu  me pedes de beber a mim, que sou samaritana?
Foi aí que o Mestre Divino passou-lhe este ensinamento transcendental:
Se tu conheceras o dom de Deus e quem é que te diz: dá-me de beber tu lhe pedirias e ele te daria água viva.
A conversa prolongou-se mais, com a mulher samaritana cogitando de possibilidades materiais ( Jesus não tinha vasilhame necessário para recolher a água ) e o Mestre falando de proposições espirituais.
Mas o que interessa, para nós, nesta crônica, é apenas este gancho para reconhecermos que, infelizmente, mesmo que sempre que estivermos com sede tenhamos a água que nos dessedente, estamos assolados por uma sede devastadora, que nos mete medo e aponta para um futuro pouco promissor.
Se nos viramos para um lado, deparamo-nos com tal nuvem negra de desmandos comportamentais dos seres humanos enquanto assim vistos, das instituições que criaram  e das quais se servem, que nos deixam pasmos. Se volvemos a outro lado, vemos os grandes marcos morais, que destruíram ou pisotearam, na desmedida ambição pelo poder e pelo dinheiro. Se buscamos outro horizonte, encontramos a convivência harmoniosa com a mentira e a desfaçatez , de modo tal que  a fé nos homens começa a empalidecer, a esperança a perder o vigor e o desânimo a tomar conta de nossa vontade, tal qual ocorre quando a sede da água comum chega a um ponto mais agudo, perturbando-nos os sentidos, o raciocínio e a vontade.
E a gente fica torcendo para que seja encontrado um poço de Jacó e nele um Rabi que tenha a autoridade moral provinda da verdade e a firmeza oriunda da convicção do certo,  para nos dizer: peça-me água, que eu lhe darei água viva.
Ah, como ansiamos por um encontro deste!
Nas pálidas comemorações do dia 15, dedicado ao professor, pude notar claramente isto. Mas como não ser assim, se o que sobrevive neste nobre mister é apenas a dedicação, o amor daqueles que a esta profissão tão indispensável se dedicam, enfrentando o descaso, a desconsideração e até mesmo o desprezo de quem deveria conferir aos mestres as melhores condições para o exercício profissional e não o faz?
Quando anunciam que o patamar de 40º (quarenta graus) vai ser superado somos tomados de um justificado temor quando a nossa sobrevivência.
E como fica a nossa cabeça quando sabemos que a outra espécie de calor já está superando o limite dos 100º (cem graus ) e subindo sempre?
Confesso que dá muito bem para amedrontar qualquer pessoa sensata, se alguma coisa muito grande não acontecer muito rapidamente.
Muito calor, não é?
E, por falar nisto: Aceita um copo de água?
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