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sábado

A Arca de Noé


 Tal como a maioria das pessoas, a cada dia me deparo com mais e maiores surpresas da mãe natureza. Não há mais previsão meteorológica confiável.
Para orientar-me minimamente, comprei um barômetro daqueles que a minha mãe tinha pendurado na parede do passadiço da casa da rua Zalony 124. Não sei mesmo se o tinha para prevenir-se sobre as condições do tempo, ou como mero enfeite. Naquela ingênua época, era moda ter um barômetro daqueles. Tava na onda; caía bem. Muitas pessoas não conheceram esse bonitinho e útil artefato, comumente usado quando eu ainda era menino.
Trata-se de uma casinha de madeira, graciosamente ornamentada e com duas aberturas: numa delas, aloja-se uma menina com roupas e ares de tempo seco, agradável; noutra, um menino com um guarda-chuva.
 Quando o tempo está ensolarado, indubitavelmente, a menina chega à frente da casinha e o menino se mantém recolhido no fundo da mesma; quando o tempo está para fechar, antecipadamente, o menino se apressa a chegar à calçada, munido do seu guarda-chuva, e a menina é que se mantém recolhida. É o barômetro mais infalível que conheço.
Mesmo assim, a mãe natureza não poucas vezes tem surpreendido o menino do guarda-chuva derramando enormes trombas d’água, com direito a pedradas de granizo de grosso calibre, raios e ensurdecedoras e trepidantes trovoadas, sem dar tempo a que o menino se apresse para chegar à calçada com o seu parágua. Quer dizer, serviço completo; pra ninguém botar defeito.
Quem sabe a gente reza prá Noé dar uma chegadinha por aqui e ajude a salvar pelo menos alguns cachorrinhos que estão pedindo socorro; algumas galinhas que trocaram o poleiro pelo telhado; que ajude a salvar um casal heterossexual; outro homossexual; um casal de pardos; outro de brancos; outro de amarelos; outro de...; mais outro de..., sem esquecer nenhum segmento; evitando que venha ser processado por discriminação racial ou homofobia.
 Ah, o pessoal do mensalão, do petrolão e outros correlatos, sugiro que não entrem na arca, pois Noé correrá o risco de ser jogado n’água se não pagar uma boa propina.
O universo está mesmo virado com as pernas para o ar. Enquanto escasseia a água da terra, esbanja-se a água que vem do céu. Sempre pensei que o perigo de morrer afogado viria das águas daqui debaixo, mas vejo que, dentro em pouco, o perigo maior será afogar-se nas águas que vêm do céu.
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