Na gangue, o futuro é
sempre o mesmo. "É na cadeia, no cemitério, ou no hospital."
El
Salvador – A tatuagem com o símbolo da gangue, em destaque, impediria William
Amaya Valladares de conseguir um emprego na maior parte do país. No entanto,
aqui está ele, com o selo ameaçador da Mara Salvatrucha subindo pelo pescoço,
varrendo os retalhos deixados no chão pelas costureiras que produzem camisetas
com o logotipo de diversas universidades norte-americanas a uma velocidade
assustadora.
Dependendo
do dia, pode ser U Mass, Penn State ou Florida Gators, símbolos de uma vida
estudantil animada e produtiva – e que não poderia estar mais distante da
realidade do rapaz. Porém, depois de passar a maior parte da juventude como
integrante de uma das gangues mais famosas de El Salvador, só o que importa
para Amaya agora, aos 24 anos, é manter um emprego que pague as contas e o
ajude a criar os dois filhos.
Ele
entrou para a MS-13, como a gangue é conhecida, quando tinha 14 anos, em busca
de companhia e do senso de comunidade que não tinha em casa. Nenhum dos dois
durou muito.
“Depois
que você está dentro há dois, três, quatro anos, aquele vazio que sentia acaba
preenchido; só que aí percebe que está metido em coisa bem séria”, conta ele,
durante o horário de almoço da confecção que faz camisetas para a League
Collegiate Outfitters, empresa da Pensilvânia.
E
prossegue afirmando que, na gangue, o futuro é sempre o mesmo. “É na cadeia, no
cemitério, ou no hospital.”
Em
El Salvador, país castigado pelas diferenças sociais e o aumento na violência,
não parece haver muita esperança para os jovens. Porém, Rodrigo Bolaños, o
gerente-geral da pequena fábrica, acredita em pequenas vitórias.
“Este
é o meu país, esses caras são meus compatriotas; El Salvador não vai progredir
se a gente não cuidar do povo”, afirma ele, na confecção que já tem sete anos,
localizada em um subúrbio industrial a quase 50 km a noroeste da capital San
Salvador. “É como se fosse um deserto e isto aqui é um oásis, com fonte e
tudo.”
Engenheiro
industrial formado nos EUA, Bolaños combina um fervor missionário com a
competitividade do setor têxtil. Em sua experiência, aceitar gente que ninguém
mais contrataria faz todo o sentido, em termos comerciais.
Entre
os funcionários há alguns deficientes, quase sempre esquecidos em um país
caótico demais para cuidar deles. No entanto, Bolaños garante que sua presença
“acaba com a violência do ambiente”.
No
Módulo 6 ficam os ex-membros de gangue, como Amaya, que, no total, chegam a
quase 50.
“Eles
são mais eficientes que os empregados comuns porque querem faturar o máximo que
puderem”, conta ele.
El
Salvador sofre com a violência em um nível que não se via desde a guerra civil,
durante os anos 80, com o governo tentando como pode controlar as gangues que,
por sua vez, têm o poder sobre bairros inteiros de cidades e aldeias de toda a
nação.
Em
agosto ocorreram 911 assassinatos, superando o recorde anterior, em junho, de
670 – e segundo o necrotério, mais da metade dos mortos tinha menos de trinta
anos.
Para
que o país consiga alguma vantagem em relação ao crime, os membros das gangues
que querem deixar as ruas precisam encontrar outra maneira de se sustentar.
Aqui, esse processo é chamado de reinserção, ou seja, a chance de levar uma
vida normal.
Há
diversas iniciativas, que vão desde a criação de confeitarias e granjas até
feiras que aceitam barracas daqueles que querem se recuperar.
No
plano de segurança abrangente criado por um conselho governamental nacional – o
“El Salvador Seguro” – a criação de empregos para a juventude é a proposta mais
importante e mais cara, e certamente a primeira a ser lembrada por aqueles que
trabalham com membros dessa faixa etária.
Bolaños
aplicou sua própria solução: a de contratar quem quisesse trabalhar.
Francisco
Huezo é um deles. Acabou se envolvendo em uma situação tão difícil que até a
gangue de que fazia parte desde os doze anos, a Barrio 18, o expulsou.
Durante
uns dois anos teve que morar debaixo de uma ponte em San Salvador com a
namorada, Beatriz, e os dois filhos, roubando para ter dinheiro para o crack e
a heroína e revirando o lixo para ter o que comer.
Até
que, um dia em janeiro, seguindo a sugestão de um pastor evangélico, Huezo,
totalmente dopado, foi conhecer a confecção da League. Bolaños lhe ofereceu um
emprego.
Aos
24 anos, abandonou as drogas. Alugou um canto coberto de um terreno baldio,
colocou um plástico na frente para transformá-lo em sua “casa” e matriculou as
crianças – Cecilia, de treze anos, e Roberto, de nove – na escola pela primeira
vez.
Em
junho, os outros funcionários da confecção fizeram uma vaquinha para comprar
chapas de metal e construíram um pequeno barraco. “É muito bom ter um emprego
de verdade”, diz.
Para
os membros das gangues, a diversão se resume em chamar um táxi para ir a um
shopping center qualquer, comer alguma coisa e dar uma volta, afirma o padre de
um bairro onde um grupo assumiu a casa ao lado de sua igreja.
Pelos
relatos de Amaya, a vida dentro da gangue era tediosa, pontuada pela violência.
“A
gente levantava, se encontrava, ficava de bobeira, ia até a esquina, ficava
chapado, fugia da polícia, ouvia música”, conta.
E
confessa que além de vender drogas na rua, extorquia o comércio.
“Os
caminhões de Coca tinham que pagar US$4 toda vez que quisessem fazer entrega no
bairro.”
Com
o dinheiro, comprava armas.
“Para
ser promovido você tem que defender seu território.”
Amaya
conta que levou sete anos nessa vida antes de começar a frequentar uma igreja
evangélica e “ter permissão” para sair. Começou a trabalhar na confecção há
dois anos. Lá, seu chefe, Bolaños, está sempre cheio de ideias: “Nosso objetivo
é recuperar esse pessoal para a vida em sociedade, colocá-lo nos eixos.”
Todo
empregado passa meia hora por dia no computador para aprender inglês em um
curso on-line. A confecção paga pelas aulas de supletivo e fechou um acordo com
a universidade local para oferecer um curso de dois anos de duração. Além
disso, oferece assistência médica, creche, café da manhã e almoço, horários
reajustados para quem estiver estudando e montou uma linha de crédito para
financiamento para aqueles que quiserem montar um tanque de tilápias e ter uma
renda extra.
As
iniciativas elevam os custos trabalhistas para algo em torno de US$500/mês por
funcionário, comparado com a média do setor, que é de US$300/mês, mas os
benefícios eliminaram a rotatividade o que, segundo Bolaños, acaba
representando uma economia.
“As
outras empresas quase não ganham nada porque têm que ficar treinando
funcionário novo todo mês.” Mais eficiente, ele pode vender para clientes
exigentes em termos de prazos. “Se eu conseguiria cumprir os prazos do
Wal-Mart? Com certeza que sim.”
A
confecção contratou mais cem pessoas e já pensa em convocar mais 150 para
completar 700 até dezembro. A ideia de Bolaños é incluir os moradores do bairro
pobre nas proximidades, incluindo quem estiver prestes a sair da cadeia.
A
poucos minutos dali, de carro, há pelo menos umas cem casas abandonadas.
Bolaños arrumou duas delas para seus empregados deficientes. Seu objetivo é
levantar dinheiro para reformar as outras e oferecê-las para os funcionários,
com direito até a área verde.
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