Minha vida passou tão célere que tenho a
impressão de haver perdido uns três capítulos dela que não sei onde foram parar
no escrínio da memória.
Tanta coisa eu quis fazer e o tempo foi
escasso. Tantos planos eu urdi e nenhum concretizei. Tantos sonhos eu sonhei,
mas estava acordado para as responsabilidades prioritárias.
Tantos objetivos, porém, milhões de
quefazeres. Quantos amigos (as) para ver o mundo, viver os esportes, os
passeios radicais, curtir os lazeres deste paraíso – que é o mundo, mas nem o
vi, pois não saí de casa. Quantos luares eu perdi debruçado numa escrivaninha,
descortinando uma mente carregada de cismares que nunca se desagregavam…
quantas vezes vi as ondas do mar estendendo-se às planícies do horizonte,
mas nas barras do céu sob o brilho da retina, pois do dever não fugia nunca…
Quantos solitários montes à distância e
quantas silhuetas de cerras gritando, no silêncio, o meu nome, e eu não fui lá
escutar a seresta do silêncio com que a solidão quis me abraçar.
Olhava o anilado firmamento onde as grandes
aves planavam serenamente, como a contemplar a extensão que tinha eu a romper
no estreito caminho do dever… eu a olhava querendo estar apenas nos olhos das
gigantescas águias…
Agora que quase me aproximo do Porto de
Chegada, percebo que o mundo é belo, e bom para viver, e lindo demais para não
amá-lo, muito atrativo e tarde para ensinar e evoluir.
Se não fosse por isso eu me esmeraria
prosseguir. Mas o orbe deu voltas demais para eu ficar.
Agora o tempo passou. Meus cabelos estão
nevados, minha pele ressequida, minha mente descamba para o ostracismo e minhas
pernas não querem andar.
Porém, sem matar meu ideal e sem fugir à
responsabilidade que me coube realizar; sem abandonar o labor e sem esquecer o
que contar, eu muito mais faria – se eu fosse ficar por aqui.
Priorizando o que propus ao Departamento da
Reencarnação eu seriamente iria realizar até o último compromisso…
Mas acrescentaria mais um milhão de deveres
que eu sempre quis, mas não realizei…
Queria ter realizado o mais belo cântico
que Verdi e Mozart não quiseram compor…
Mas eu cantaria a mais bela ária, a cada
peça que improvisasse, a cada cântico que libertaria, sem repetição de melodia
nem de palavras. Cada cântico seria único e cada tema um recado celeste,
repetindo às pessoas todos os preceitos de Luz, Amor e Verdade, mas isto se
acaso eu fosse ficar por aqui.
Iria para a campina muito verde e iluminada
de sol e sob fresca fronde permaneceria observando a calmaria dos prados, o
oscilar das flores e das plantas, a variedade dos animais silvestres e o
movimentar das formigas e o volitar das borboletas… Se eu fosse ficar por aqui…
Escutaria o cascatear dos rios e o marulhar
das cachoeiras, vendo o balançar à distância dos galhos nos arvoredos que se
moveriam silentes, mas se acaso eu fosse ficar por aqui.
Como não sei dos meus dias nem da minha
sorte, prosseguirei andando por esta vermelha estrada batida por carros e
passos, límpida e com pequenos relevos, mostrando a beleza que é o sol pousado
nela e da solidão que o prado canta; olharia os pássaros e me lembraria, uma a
uma, de todas as pessoas, irmãos de humanidade que amei… Lembrarei-me dos
lugares que desejei ir e não fui, dos países que ansiei visitar e não o fiz…
Alemanha, Áustria, Itália, França, Bélgica – e o meu pequeno torrão onde nasci…
Mas, isto, se por aqui eu ficasse.
Eu que tive tempo de recomeçar a minha vida
e que a vivi outra vez, não tive tempo de passear, sequer, dentro de minh’alma
para ver quem eu sou. Foi uma pena, pois conheci tantas pessoas amadas,
contudo, esqueci de me conhecer, esqueci de mim mesmo. Mas talvez eu nem
quisesse me conhecer porque eu desejaria experimentar aquele mistério que toda
gente anseia conhecer: a felicidade, uma terra muito distante, longe demais,
talvez para lá eu me mudasse… mas não tenho a leveza, sequer, da brisa que
passa… Se eu fosse ficar por aqui.
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