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terça-feira

Quem vai cuidar de mim?

Os problemas da velhice desassistida

Fomos dormir num país em 2014 e acordamos noutro em 2015. Não, nós não estamos tão bem quando nos fizeram acreditar. Ainda assim, já andamos muito, desde a Lei Sexagenária, quando os escravos de 60 anos eram largados à própria sorte. 
Em 1888 os funcionários dos Correios tiveram direito a se aposentar. Em 1923 foram criadas as primeiras caixas de aposentadorias e pensões. A aposentadoria para trabalhadores urbanos e rurais se unificou em 1963, surgindo o INPS – Instituto Nacional de Previdência Social, tornado INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social em 1990. 
Quem atingiu a idade ou o tempo de contribuição deverá se aposentar e receber o mesmo de quando estava na ativa. Muitos erros aconteceram junto às fraudes nessa nossa “Pátria mãe tão distraída”, e parte de quem deveria receber está fora e alguns que não deveriam estão dentro. Os recursos arrancados das quatro fontes, patrão, empregado, trabalhador e Governo, se perdem diariamente, e há décadas, faltam verbas para a manutenção do serviço.
O tempo de vida aumentou, o INSS faliu e para equilibrar as contas são necessários quatro trabalhadores contribuindo para cada aposentado e estamos quase com um para um. Foram cortadas algumas aposentadorias anômalas. Muita gente trabalhou na informalidade, sem contribuição, especialmente na área rural. Valores foram desviados da Previdência para outros fins.
 Contas em altas matemáticas são feitas, e a cada dia o aposentado, cujo benefício acima do Salário Mínimo não está atrelado àquele, recebe menos, tendo uma velhice envergonhada. O idoso não consegue cuidar da sua aparência, dar manutenção à sua casa e substituir seus pertences. O padrão de vida encosta-se no chão. 
A idade de se aposentar se eleva a cada dia, por motivos óbvios. Se antes professoras, militares e bancários se aposentavam aos 43 anos, hoje é preciso chegar aos 65 anos para se aposentar. Dependendo da função, trabalhar nessa idade é impossível.
Posso até contribuir para o debate, mas quero mesmo é fazer meu despudorado lamento em praça pública. Sou médica há 36 anos e jornalista há quase seis. Para me formar endocrinologista, estudei um ano inteiro com dedicação exclusiva para a prova do vestibular. Entrei na Famed, hoje Unimontes em 4º lugar. Depois de seis anos de curso, meu currículo foi o 5º entre 44 pessoas (lá havia primeiro lugar, mas não tive competência para atingi-lo). 
Foram três anos de Residência Médica em Belo Horizonte, na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte dia e noite. Com Título de Especialista reconhecido nacionalmente, trabalho em consultório 8 horas por dia desde janeiro de 1984. Houve dias de trabalho dobrado, 16 horas por dia, em plantões atendendo emergências em diabetes na Santa Casa de Caridade de Montes Claros, quase todas via SUS, o que fiz durante dez anos.
Paguei o INSS durante 30 anos, sendo mais da metade do tempo sobre o teto máximo, pois se tornou obrigatório aos médicos. Aposentei-me há três anos e recebo R$ 2.400. Como continuo trabalhando, pago, em valor de hoje, R$ 580 ao INSS, mensalmente. Isso é descontado em uma das minhas três fontes pagadoras, autorizada por mim. Muitas vezes, nesses 36 anos, foram descontados indevidamente a mesma quantidade em outras fontes. Não consegui reaver esses valores.
De cada R$ 100 que ganho, R$ 27,50 vão para o Imposto de Renda. As despesas trabalhistas são altíssimas. O Salário Mínimo de R$ 880,00 é pouco para se receber, mas é caríssimo para se pagar. Manter as atividades num consultório com condomínio, secretária e todas as taxas exigidas como CRM – Conselho Regional de Saúde, AMMG – Associação Médica de Minas Gerais, SBE – Sociedade Brasileira de Endocrinologia, ISS – Imposto Sobre Serviço, IM – Impostos Municipais, Vigilância Sanitária (vistoria anual de balança e ar-condicionado, R$ 250 cada item), resíduos sólidos, IPTU e outras taxas está tornando inviável a prática médica. 
Troco figurinha, já que a maioria dos convênios médicos paga em média R$ 60 por consulta, meses depois. É impossível saber o que pagam. Não temos contracheque e no que é depositado vêm descontadas taxas nem sempre claras. Entre os endocrinologistas da minha cidade, o preço da consulta particular, rara, varia de R$ 180 a R$ 400. 
O glamour e o imaginado status de médico ficaram pelo caminho. Aos não vocacionados, que pensam ficar ricos, que arrumem um bom emprego e o mantenham, pois o mundo real é diferente do idealizado.
Tenho saúde frágil. Fui inábil para conseguir um emprego, fazer previdência privada e reservas. Ninguém tem culpa disso, exceto eu mesma. É apenas o meu caso, mas outros passam pelo mesmo problema: velhice desassistida. Enquanto produzo, me arrancam tudo. E quando eu não puder mais, quem vai cuidar de mim?
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