Ricardo Semler
defende que a politização do debate sobre corrupção é contraproducente e que o
escândalo da Petrobras e as repercussões do caso envolvendo a divulgação dos
nomes de brasileiros com conta no HSBC da Suíça são sinais de que o País está
mudando
Semco Partners e ex-professor
de Harvard e do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Ricardo Semler
tornou-se um dos empresários brasileiros mais conhecidos no exterior nos anos
90 por aplicar em sua empresa princípios gerenciais que ficaram conhecidos como
democracia corporativa.
Na Semco, os trabalhadores
escolhem seus salários, horário e local de trabalho, além dos seus gerentes. A
hierarquia rígida foi substituída por um regime em que todos podem opinar no
planejamento da empresa.
Recentemente, Semler voltou a
ganhar notoriedade no Brasil e no exterior por dois motivos. Primeiro, porque o
desempenho extraordinário de algumas empresas criadas por jovens empreendedores
(como Facebook e Google) aumentou o interesse por práticas gerenciais
inovadoras.
Segundo, em função de um artigo
polêmico publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, em que, ao comentar o caso de
corrupção na Petrobras, Semler defendeu que “nunca se roubou tão pouco” no
Brasil.
“Nossa empresa deixou de vender
equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente
sem propina. Tentamos de novo nos anos 80 e 90, até recentemente”, escreveu
ele. Semler é filiado ao PSDB, mas o artigo acabou sendo usado por quem defende
o ponto de vista do governo e do PT no escândalo.
Ao comentar o episódio em
entrevista, o empresário defendeu que a politização do debate sobre corrupção é
contraproducente e que o escândalo da Petrobras e as repercussões do caso
envolvendo a divulgação dos nomes de brasileiros com conta no HSBC da Suíça são
sinais de que o país está mudando. “Pela primeira vez no Brasil, temos gente
rica assustada”, afirmou.
O empresário também defendeu um
aumento do imposto sobre transmissão (herança) para os donos de grandes
fortunas e disse que aceitaria pagar até 50%. “Isso não afetaria em nada a
disposição do empresário em investir”, opinou. Confira a entrevista:
Veja abaixo a entrevista dada à
BBC Brasil:
O seu artigo virou referência
para quem defende o governo e o PT nos debates sobre o caso Petrobras. Isso o
incomoda?
Semler: “O objetivo (do artigo)
não era esse, mas isso não impede que cada um se aproprie dele para fins
próprios. Queria que as pessoas se perguntassem: O Brasil está ou é corrupto?
Essas questões que estão sendo
jogadas contra o governo do dia são muito antigas. A Petrobras é só a ponta do
iceberg. Há corrupção nas teles, nas montadoras, nas farmacêuticas, nos
hospitais particulares. O problema é endêmico e não adianta fazer de conta que
surgiu agora. Se você vai para a Paulista e grita contra a corrupção, também
precisa responder: Está declarando todos os seus imóveis pelo valor cheio?
Nunca deu R$ 50 para o guarda rodoviário? Nunca pediu meio recibo para um
médico? E quem está colocando no Congresso esses políticos? Não sei se a
Paulista não estaria vazia se todo mundo fizesse um autoexame.
O que ocorre com a corrupção é
algo semelhante a nossa percepção sobre violência. Nunca se matou tão pouco no
mundo – pense nas duas grandes guerras, na guerra civil espanhola, etc. Mas a
internet, os debates, a difusão da informação faz com que tenhamos a sensação
contrária”.
Qual sua posição sobre os
protestos?
Semler: “Os protestos são
legítimos e positivos. As pessoas estão se mobilizando por causas diversas.
Daqui a pouco, por causa da situação econômica, também vão reclamar da
inflação, do desemprego. Mas sobre esse tema, a corrupção, acho interessante
entender se quem está na rua vai levar os princípios pelos quais está lutando
para sua vida pessoal, a empresa onde trabalha”.
A politização da questão é um
problema?
Semler: “A politização é
inevitável, mas não era necessária para essa discussão – porque o que está
acontecendo não tem nada a ver com partidos. Basta olhar para o escândalo do
HSBC. Ele revelou que quase 10 mil brasileiros têm conta no exterior – imagino
que a grande maioria não declarada. Isso não tem a ver com o PT – ou com o
PSDB. Há 30, 40, 50 anos as pessoas mandam dinheiro para a Suíça para pagar
menos imposto.”
Os casos Petrobras e HSBC
indicam alguma mudança?
Semler: “É bom ver alguns
executivos de algema. Pela primeira vez no Brasil, temos gente rica assustada.
Até agora, você tinha uma classe média assustada, os pobres assustados e os
ricos em suas mansões e helicópteros, ou indo para a Europa. Quando o cara é
notificado pela Polícia Federal, para explicar o dinheiro que ele tinha na
Suíça, é um horror para essa elite e é uma beleza para o País.
A sensação de que os ricos
podem fazer qualquer coisa está fraquejando. É um indício de que esse momento
do Brasil que durou 50, 60 anos está começando a terminar, mas serão
necessários 20, 30 anos para fazer essa transição.”
É possível acabar com a
corrupção?
Semler: “Alguns países nórdicos
e europeus têm um grau de corrupção muito baixo hoje, apesar de terem sido os
grandes corruptores do mundo no século 15, 16 ou 17. Acho que a educação, sem
dúvida, faz parte desse processo. Nesses países, as escolas há muito tempo
também se dedicam a discutir questões éticas e padrões de comportamento em
comunidade. Se você só ensina a estrutura do átomo, a tabela periódica e
equações matemáticas o aluno pode passar no vestibular, mas não vai ter parado
um segundo para pensar em questões fundamentais da vida”.
Qual a extensão do problema de
corrupção no setor privado?
Semler: “Muitas vezes, o
principal interessado em acabar com o problema é o investidor, o dono do negócio.
É esse o caso, por exemplo, de um diretor de compras (de uma empresa), que age
com muita discrição (cobrando propina de fornecedores). Mas é difícil detectar
e acabar com isso. O processo de controle e a gestão clássica das empresas é
muito ineficaz.”
Por que um milionário ou
bilionário arrisca colocar a reputação em risco para não pagar imposto?
Semler: “Acho que a questão é
antropológica, humanística. Por que uma pessoa que tem 20, 30, 40 bilhões de
dólares quer ganhar mais cinco (bilhões)? Por que não fica em Zurique, jogando
tênis? Talvez, porque pense que com mais um pouquinho vai ser feliz.”
É possível ser um empresário
honesto no Brasil?
Semler: “Sim. Uma boa parte dos
empresários é honesta. Mesmo gente controversa. O Abílio (Diniz) não construiu
sua rede de supermercados dando propina para ninguém. Pode ser comum receber a
proposta: você me dá dez por cento e eu te ajudo. E aí tem gente que diz: ‘Ah,
o Brasil é assim mesmo’. Ou: ‘O que adianta eu pagar imposto se essa turma do
PT não vai usar o dinheiro direito’. Isso precisa acabar.”
Os empresários ricos e donos de
grandes fortunas poderiam pagar mais imposto no Brasil? Há gente que defende
que isso poderia aliviar o peso do aperto fiscal sobre o resto da população,
por exemplo…
Semler: “O imposto sobre a
operação já está no limite. Mas acho que particularmente os impostos de
transmissão (herança) são baixos. Quando o patrimônio de um grande empresário
passa para seus filhos, muitas vezes eles compram mais Ferraris, mais mansões,
etc. O uso social desse patrimônio é o mais estúpido possível. Há muito espaço
para aumentar (a taxa) e isso não afetaria em nada a disposição do empresário
em investir. Até porque muitas vezes esse patrimônio foi construído por pessoas
de outras gerações.”
O senhor aceitaria pagar mais
imposto?
Semler: “Tranquilamente”
Quanto seria aceitável?
Semler: “No caso do imposto de
transmissão, não acho chocante o Estado ficar com 50%. No de imposto de renda,
40% (para a faixa mais alta de renda). Tinha um sócio na Suécia que chegou a
pagar 101% de sua renda em imposto”.
Como isso é possível?
Semler: “É um princípio difícil
de a gente aceitar. Hoje, isso não existe mais. Agora, o imposto (de renda)
máximo lá é 85%, se não me engano. Mas a Suécia dizia o seguinte: ‘Você já tem
tanto que seu único papel é devolver um pouquinho’. A questão é que a pessoa
sai na rua e não há pobreza. O dinheiro é usado de forma eficiente.
Pagar 50% (de imposto sobre
herança) é aceitável para muita gente se é feito bom uso desses recursos. Se
você sai na rua e tem a sensação de que está indo nessa direção (Suécia), mesmo
que não chegue a ver o resultado em vida. É uma opção melhor do que gastar (o
dinheiro) em um helicóptero e depois ter de sobrevoar favelas.
Mas também há muita gente (rica)
que prefere fazer homenagem a si mesma. Temos aquelas doações que são um
exercício de vaidade… as pessoas doam dinheiro para ter uma ala do hospital com
seu nome: ‘Todo mundo que for esperar para fazer uma mamografia vai ver o meu
nome’. Ao fazer uma unidade de um determinado hospital ou escola (privados), em
Paraisópolis, cria-se uma ilha da fantasia.
São Paulo tem mais 180 favelas
aonde ninguém vai. Acho que isso não funciona, não adianta para a sociedade
como um todo. A elite brasileira costuma se vangloriar de fazer pequenas
coisas, mas o Brasil tem problemas muito maiores.”
O senhor também tem falado
muito sobre o tema da desigualdade. Qual o papel dos empresários e das empresas
na redução do fosso entre ricos e pobres?
Semler: “Tenho a impressão de
que o grande empresário, tal como o sistema está constituído hoje, com essa
liberdade, não vai contribuir em nada. Pense no global. Ele não tem interesse
em dizer: estou lucrando muito aqui, mas tem uma população que vai mal em Gana,
no Camboja… O cara dá de ombros. ‘Não tenho nada a ver com isso. Pago meu
imposto’, pensa.
A autopropulsão, ou o drive, do
empresário está associada a um egoísmo. No melhor dos casos, a um
autocentrismo. Ele até pode pensar ‘preciso fazer algum projeto ambiental’, mas
não quer que se metam com seu carro, sapatos caros, etc. Os grandes empresários
tendem a ser egoístas ou autocentrados. No Brasil ou em qualquer lugar do
mundo.
Acho difícil esperar que tenham
uma posição altruísta ou idealista em relação ao resto da humanidade. Figuras
como Steve Jobs ou Bill Gates, por exemplo, não são muito diferentes dos
grandes empresários americanos do fim do século 19, que expandiram as redes de
eletricidade e ferrovias do país. São monopolistas, tentam quebrar os
concorrentes, têm um ego enorme.”
O senhor ficou famoso por
aplicar a chamada democracia corporativa em sua empresa. Os trabalhadores
escolhem seus horários e seus salários. Como isso pode dar certo?
Semler: “Se você dá às pessoas
todos os parâmetros para que elas decidam, elas decidem bem. É claro que o
único fator a ser considerado não é, por exemplo, quanto cada um quer ganhar.
Os trabalhadores se organizam para fazer o orçamento dos próximos seis meses ou
um ano, analisam o que precisam e que salário é preciso pagar para isso. Cada
um diz o que gostaria e o grupo vê se é possível. O autointeresse é cotejado
pelo coletivo. Em parte, o que fizemos foi mudar esse sistema do ‘eu mando,
você obedece’ por um sistema em que eu pergunto: ‘Quando você quer trabalhar?
Quer vir até aqui ou não?”
Há mais interesse por esse
sistema hoje?
Semler: “Certamente. Fiz
recentemente uma palestra TED (formato de conferências curtas, que se
popularizaram na internet) que conseguiu 1,2 milhões de views (acessos) em
pouco mais de um mês, principalmente de americanos. Conforme empresas abertas
por grupos de jovens conseguem em poucos anos se equiparar a empresas
tradicionais, muita gente está percebendo que a hierarquia militar que
prevalece em algumas companhias não serve mais.
Olhei, esses dias, uma lista da
revista INC das cem empresas mais promissoras (do globo) e só conhecia duas.
Nunca tinha ouvido falar das outras 98. O novo jeito de se organizar e de ser
criativo, de inovar, não passa mais pela GE (General Electric) e pela GM (General
Motors). Essas empresas que aparentemente tinham o poder e o controle sobre
tudo estão perdendo espaço.
Não faz mais sentido dizer que
os funcionários de uma empresa devem chegar às 8h e sair às 5h, que devem se
vestir e falar como mandam seus superiores. Esse sistema criado com a linha de
montagem de Henry Ford, há cem anos, está obsoleto.”
Qual o objetivo desse modelo de
gestão alternativo? Obter mais lucro ou ter funcionários mais satisfeitos?
Semler: “Há 30 anos, crescemos
41% ao ano, em média. E, ao mesmo tempo, tenho 2% de turnover (rotatividade de
empregados) e o índice de satisfação de nossos funcionários também é bastante
alto, embora não seja o que gostaríamos. Então, o que mostramos é, justamente,
que é um falso dilema dizer que ou a empresa lucra ou seus funcionários ficam
felizes”.
Da BBC.
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