Ao comentar recentes manifestações populares, disse a presidente Dilma
Rousseff: “A
corrupção não só é uma senhora bastante idosa neste país, assim como ela não
poupa ninguém.” Como sempre acontece, nossa insigne presidente expressou-se de
modo peculiar: na primeira parte de sua frase, conseguiu ser inteligível; na
segunda, nem tanto.
Com efeito: dizer que a corrupção é “uma
senhora bastante idosa neste país” remete à certeza de que esse “malfeito” (no
jargão dilmista) está presente noBrasil desde tempos remotos – o que não é
novidade, porquanto ela é inerente à natureza humana, em todo o tempo e lugar.
O que não invalida o fato de que falcatruas e roubalheiras tenham sido
insistentemente combatidas, e muitas vezes vencidas.
O que
se questiona é a sugestão, nas entrelinhas, de que se aceite essa “senhora
idosa” como algo perene e natural.
Talvez
a expressão represente um ato falho da presidente, revelando que é assim, de
fato, que ela a considere. Veja- se a segunda parte da fala presidencial:
“assim como ela (a corrupção) não poupa ninguém”. O verbo “poupar” tem muitos
significados; no contexto, seria esquivar-se, subtrair-se, eximir-se. Ou seja:
ninguém se exime ou escapa da corrupção. Além de rejeitar o cacófato (como ela
= moela), há que questionar: será verdade que todos somos passíveis de ser corrompidos?
Ou – pela sua universalidade – deveremos simplesmente aceitar a corrupção? Se
ninguém é “poupado” – como não o é pela morte – teremos de nos conformar com
ela, como algo imperativo?
Tem-se
dito, com freqüência, que a corrupção estaria no DNA dos brasileiros e que
nossa terra foi povoada por degredados e condenados, o que é certamente um
exagero. Os colonos portugueses, em maioria, eram pessoas pobres em busca de
aventura e fortuna, tal como acontece ainda hoje nas regiões de fronteira;
muitos deles, fugiam de perseguições por motivos de consciência, como os
cristãos novos ou judeus convertidos. Lembre-se que, de igual modo, para os
Estados Unidos também vieram, além dos puritanos “pais fundadores”, levas de
sentenciados da Justiça, com a emigração forçada esvaziando-se as prisões
londrinas.
Na
história brasileira, há iniciativas recorrentes de combate à corrupção e aos
maus costumes – tal como o fez o governador e capitão general, D. Luis Vahia de
Abreu, que escreveu ao rei de Portugal: “Nesta cidade, todos roubam, só eu não
roubo.” Declarou guerra ao crime, prendeu meliantes e conseguiu impor alguma
segurança à mui heróica (e turbulenta) cidade de São Sebastião do Rio de
Janeiro, na segunda metade do século 18.
Malandros,
criminosos e vivaldinos dele se vingaram, dando- lhe a alcunha de “Onça”; o
período em que governou passou a ser “o tempo do Onça”, algo antiquado e
ultrapassado. Vale dizer: ser honesto estava fora de moda!
Ao longo do tempo, políticos, religiosos,
prosadores e poetas clamaram contra a corrupção. Um dos mais famosos sermões do Padre
Antônio Vieira – o “do Bom Ladrão” – foi proferido na
Igreja da Misericórdia de Lisboa. Nele, o jesuíta condena vigorosamente aqueles
que se valem da máquina pública para enriquecer – e os combate perante o
próprio D. João IV e sua corte, inclusive ministros, administradores e altos
funcionários do Reino.
Gregório
de Matos Guerra, poeta irreverente e temido, apontava corruptos e corruptores
em Salvador da Bahia, nos anos setecentos, e perguntava: “Que falta nesta
cidade?
Verdade./
Que mais para sua desonra? Honra./ Falta mais que se lhe ponha? Vergonha!”.
Em
Goiás, roubos e descaminhos da Fazenda Real estão presentes desde os primeiros
tempos de ocupação do território – na “anarquia dos começos”, como os definiu
Palacín. Há casos incríveis: para agradar o governador em visita a novas minas,
os mineiros lhe ofereciam um banquete, quando o presenteavam com uma tigela
cheia de canjica – na verdade, ouro em pó! Sucederam-se inquéritos e devassas …
mas essa é uma longa história.
Em tempo mais recente, lembre-se o
poema-discurso de Rui
Barbosa que, em 1914, proclamava: dadas as mazelas
dos governos republicanos, o cidadão brasileiro via-se compelido a “ter
vergonha de ser honesto”.
Na
medida em que, com o passar do tempo, melhora o nível de educação e
aperfeiçoa-se o exercício da cidadania, a população passa a exigir mais
transparência e eficiência no exercício do governo e da administração pública.
Se o passado nos mostra a presença de corrupção, dele também nos vem a certeza
de que sempre houve quem lutasse contra ela.
O que
não se pode aceitar é simplesmente vê-la como inevitável e inarredável. Isso de
defini-la como uma velha senhora sempre presente é um tipo de conformismo que
nos causa repúdio, a nós, cidadãos honestos e conscientes.
Comente este artigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário