Recebi ontem a seguinte
mensagem do leitor Alex, preocupado com as más influências sobre sua filha,
atualmente cursando a faculdade:
“Eu tenho uma filha de 20 anos,
ela está fazendo química na Ufesp, tenho procurado mostrar a ela os valores das
ideias liberais, mas sinto que tenho perdido essa batalha, acho que ela tem
sido bombardeada por ideias socialistas e acho que tem sido ou da faculdade ou
de alguns de seus amigos. Não sei como neutralizar essa influência, ou garantir
que ela consiga raciocinar com equilíbrio e sensatez. Vocês poderiam me
ajudar?”
Em primeiro lugar, eu diria que
esse “bombardeio” é normal, não só na faculdade, mas também nos bancos escolares,
desde a mais tenra idade. Infelizmente, o ensino brasileiro está eivado
de proselitismo ideológico. O importante é que a família nunca perca o diálogo
com esses jovens, e tente mostrar, sempre que possível, o outro lado da
história. Por mais que às vezes seja difícil, isso deve ser feito sem
confronto, de forma calma e paulatina. Não adianta achar que com apenas uma
conversa você irá conseguir reverter anos de doutrinação. É preciso paciência e
perseverança.
Durante a juventude somos quase
todos grandes idealistas e achamos que o mundo pode ser mudado (e moldado) de
acordo com a vontade dos bem intencionados. Este é o grande apelo das
teorias revolucionárias com adolescentes e jovens em geral. Eles costumam
acreditar com unhas e dentes em velhos clichês socialistas, como “um outro
mundo é possível” ou “de cada um conforme as suas capacidades, para cada um
conforme as suas necessidades”.
Tendo isso em vista, é
importante tentar demonstrar que, se utopias baseadas no altruísmo nunca deram
certo, é porque vão de encontro à natureza humana, calcada muito mais no
interesse próprio do que no altruísmo, uma virtude que, embora desejável em
qualquer sociedade, jamais pode ser imposta de cima para baixo.
Por outro lado, a grande beleza
do capitalismo está no fato de que os indivíduos só são recompensados quando
satisfazem as demandas dos outros, ainda que isso seja feito exclusivamente
visando aos próprios interesses. Minha renda, portanto, está diretamente ligada
à satisfação do meu semelhante. O capitalismo não pretende extinguir o egoísmo
inerente à condição humana, mas nos obriga a pensar nas demandas do próximo, se
quisermos ser bem sucedidos.
Para explicar esse poder
misterioso que leva os homens, cada qual trabalhando exclusivamente em busca do
próprio ganho, a promover o interesse de muitos, Adam Smith cunhou a famosa
metáfora da “mão invisível”. Segundo ele, se cada consumidor puder escolher
livremente o que comprar e cada produtor escolher o que e como produzir, esse
“jogo de interesses” será capaz de maximizar a produção e distribuição de bens
e serviços, em benefício de todos.
Outro argumento
importantíssimo, que deve ser sempre levantado, é a História do ser humano
através dos tempos, e como essa verdadeira odisseia foi radicalmente alterada
com o advento do capitalismo.
Por milhares de anos, quase
todo ser humano viveu em estado de absoluta pobreza. Durante a maior parte da
existência humana, a vida foi assustadoramente carente e precária. Faltava
tudo, desde o pão, até a saúde. A palavra conforto não fazia parte do
vocabulário de 99,9% dos homens. A expectativa de vida, nos primórdios do
Império Romano era de menos de 30 anos, e permaneceu assim até o final do
século XVIII.
A renda média, durante
milênios, foi menor que US$ 900 por ano, a valores atuais. As pessoas mais
ricas e poderosas do mundo viam suas crianças morrerem antes da idade adulta,
não raro vítimas de infecções simples. Eles mesmos nem sempre podiam desfrutar
de água fresca e limpa, ou de qualquer um dos milhares de produtos e serviços
aos quais até os brasileiros mais pobres têm acesso hoje dia.
Como escrevi alhures, o lugar
mais avançado do mundo no século XVIII era Londres. No entanto, o cotidiano da
capital inglesa naquela época era terrível, principalmente quando comparado aos
padrões atuais, a começar pelo meio ambiente. Segundo Liza Picard, as ruas de
Londres eram nojentas. Por onde se andasse, havia uma mistura abundante e
licorosa de esterco animal, gatos e cachorros mortos, cinzas, palha e
excrementos humanos.
O fornecimento de água era
contaminado com chumbo, matéria orgânica apodrecida e lixo variado. Imagine o
grau de desconforto num lugar onde velas e sabonetes eram dois dos itens mais
caros do orçamento familiar, a ponto de os chamados “fins de velas” serem
produto altamente cobiçado no mercado negro.
A vida profissional começava
bem cedo, e a limpeza de chaminés era um dos trabalhos para os quais as
crianças eram escaladas com maior freqüência, até mesmo quando a chaminé
encontrava-se em chamas.
Muitos evitavam qualquer tipo
de tratamento médico, pois o estado da medicina era tal que a tentativa de cura
era muitas vezes pior que a própria doença. Não seria exagero, portanto, dizer
que até para a realeza a vida era “pobre, sórdida, brutal e curta”, para usar a
famosa expressão do filósofo Thomas Hobbes.
A partir de meados do século
XVIII, porém, teve início uma revolução extraordinária na história da
humanidade. No curto espaço de 250 anos, a população mundial aumentou mais de
sete vezes e, apesar desse enorme crescimento demográfico, a renda real per
capita cresceu 16 vezes. No mesmo período, a expectativa de vida mais que
dobrou.
O que explica essa verdadeira
revolução? Sem dúvida, o nascimento e evolução do que posteriormente se
convencionou chamar de “capitalismo”. Sim, a principal mudança econômica e
social dos últimos 250 anos de História foi a introdução e o desenvolvimento
das chamadas instituições capitalistas, particularmente a propriedade privada,
os mercados livres e o império da lei.
Sim, foi graças ao capitalismo
liberal – um sistema que nasceu e evoluiu espontaneamente, e não foi parido da
mente fértil de algum iluminado – que a imensa maioria dos nossos
contemporâneos goza hoje de um padrão de vida bem acima do que, há apenas
poucas gerações, era impossível até aos mais abastados.
Se eu fosse o Alex, convidaria
sua filha a pensar nas maravilhas tecnológicas criadas pelo engenho humano no
último par de séculos. Pensar nos automóveis, locomotivas, navios e aviões que
facilitaram os deslocamentos humanos, bem como de suas mercadorias. Pensar nos
eletroeletrônicos que facilitam e entretêm bilhões de pessoas mundo afora:
geladeiras, televisores, máquinas de lavar, microondas, condicionadores de ar,
computadores, telefones celulares. Pensar nos equipamentos médico-hospitalares,
que ajudam a tornar a medicina muito mais eficiente e prática, como tomógrafos,
centrífugas, aparelhos de ultra-sonografia, de ressonância magnética,
microscópios eletrônicos, micro-chips, marca-passos. Pensar na indústria
farmacêutica, nos avanços e nas descobertas frequentes que ela faz. Pensar, por
exemplo, que, há apenas vinte e poucos anos, a maior parte dos doentes com
úlcera gástrica terminava numa mesa de operações e que hoje essa é uma doença
facilmente tratável com medicamentos. Pensar na agricultura e nos avanços de
produtividade dessa área, que permitem alimentar um contingente humano que
cresceu de forma geométrica nos últimos duzentos e poucos anos, contradizendo
as previsões catastróficas de Malthus e muitos de seus seguidores.
Pois bem, esses avanços, e toda
a fantástica geração de riquezas conseguida pelo homem, foram obtidos graças à
divisão e especialização do trabalho e, acima de tudo, às instituições
capitalistas. Sem isso, talvez 99% da população ainda precisasse trabalhar de
sol a sol, morando sem qualquer conforto, sujeitos a condições extremas de
insalubridade e impedidos de qualquer outra atividade na vida que não
trabalhar, comer e dormir.
Sem a recompensa pessoal, seja
ela fruto da remuneração do trabalho ou do capital (lucro) não há incentivo
para que os indivíduos produzam, invistam, pesquisem, desenvolvam novas
tecnologias, criem novos produtos. Analise a relação de ganhadores do Prêmio
Nobel (inclusive os de química). Onde está (ou esteve) domiciliada a imensa
maioria deles? Sem dúvida, em países onde há liberdade econômica e,
consequentemente, a busca pela recompensa pessoal. Será que isso acontece por
mero acaso?
Por outro lado, não se tem
notícia de qualquer bem de consumo criado no seio das economias coletivistas
(ditas altruístas) que tenha trazido algum benefício permanente para a
humanidade. Com exceção das máquinas de guerra, das armas de destruição em
massa, nada de relevante eles produziram. Para piorar as coisas, esses mesmos
experimentos de planificação econômica, passados e atuais, em que os tiranos a
tudo controlam, o processo de marcado é quase inexistente e o lucro individual
proibido, redundaram sempre na escassez, no desabastecimento e na distribuição
equitativa da pobreza.
O socialismo pode ser muito
bonito no papel, mas na prática mostrou-se um grande desastre. Talvez a
maior prova disso seja o fato de que jamais se viu um só indivíduo tentando
fugir de Miami para viver no paraíso cubano. No entanto, milhares arriscaram suas
vidas nos últimos 60 anos tentando fazer o caminho contrário, fugindo da
igualdade forçada, em busca de liberdade e de um padrão de vida melhor, ainda
que arriscado. Novamente: será que isso aconteceu por acaso?
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