Sobre a
velha rinha envolvendo o público e o privado, dia desses li certas passagens em
uma rede social que, em primeiro momento, confesso, me espantou para, em
seguida, boquiaberto, ver-me em um transe analítico em que me pus a contemplar
a passionalidade dos discursos e que, não raro, fluem com tal grandeza, ordem e
rigor que, pelo menos, inviabiliza a compreensão real dos fatos.
Os
envolvidos, cada um a seu modo, iam desdobrando argumentos em favor de suas
crenças. Dizia um: “Quer saber, por mim, tudo deve ser privatizado porque, todo
mundo sabe, que coisa de governo, não presta”; o outro: “Eu acho que se não tem
governo, tudo fica melhor”; o primeiro volta à carga: “Se não fossem as
empresas, como a gente faria?”; o segundo emenda: “Deus me livre de Estado”. E
na linha de um liberalismo nanico e de quinta categoria, o diálogo foi sendo
traçado e fiado.
Até
pensei em meter o bedelho, mas como as possibilidades de diálogo em uma
sociedade profundamente autoritária e burguesa, como a nossa, só diminuem,
decidi continuar em meu silêncio reprovador.
Agora,
a título de sugestão para os intelectuais de ocasião e que militam fundo nas
ondas da internet, gente feita e forjada nos “cursos livres”, acríticos e
diários da Rede Globo, ministrados por preletores como Miriam Leitão e Ronaldo
Sardenberg, seguidos com módulos complementares de analistas “isentos” como
William Waack, William Bonner ou Alexandre Garcia, penso e sugiro que seria
importante sair do convencional que, objetivamente, atrofia o cérebro e castra
sensibilidades pelos níveis de automatização dos indivíduos e vínculos duros e
intensos com os movediços de um cotidiano de muito policiamento e controle.
É que o
tempo não é estático, como, aliás, nada o é nessa existência. O tempo muda, as
relações são alteradas, a economia tem sua morfologia revista, o trabalho ganha
em complexidade, as relações são modificadas e tudo que nos envolve é submetido
às leis da dinâmica. Definitivamente, conservar opiniões velhas e carcomidas
pelo peso sumário da vida real é uma opção bastante complicada.
Não vou
aqui ensaiar defesas apaixonadas do Estado. Não mesmo, mesmo porque esta forma
moderna de gestão da vida social carece, conforme se percebe com grande
facilidade e em todos os dias, de reformas profundas e que passem pelo crivo
definidor e essencial de sua democratização porque, inexoravelmente, Estado que
não é democratizado em um sempre; que não é partilhado com o conjunto de sua
população; que não afirma sua autonomia ante os amplos e potentes movimentos do
capital é por assim dizer, Estado em permanente estado de ameaça. Ameaça
concreta e presente a partir de expedientes como o golpe, o levante, a
corrupção ou a revolução.
Para os
apaixonados, digo que não fazem nada de errado em abraçar esta ou aquela causa.
O humilde apelo que vos faço é que possamos qualificar mais esses debates.
Solicito que, mesmo fincado em suas certezas de vidro que, pelo menos, se deem
ao trabalho do estudo e da reflexão.
Sugiro
modestamente a leitura e o consequente debate de obras clássicas e seminais
como, por exemplo, Formação Econômica Do Brasil (1959) do paraibano Celso
Furtado (1920-2004) e que, como ninguém, explica o desenrolar da estrutura
econômica deste País; outra excelente pedida é o magistral trabalho de Caio
Prado Júnior (1907-1990), História Econômica Do Brasil (1945) onde a partir de
um olhar marxiano reconstrói a própria historiografia brasileira.
Sugiro
ainda, o primor do filho de Apipucos (PE), Gilberto Freyre (1900-1987),
Casa-Grande e Senzala (1933), obra fundamental para compreender nossos vícios,
taras e desejos nem sempre confessáveis, contudo, presentes e definidores do
nosso caráter nacional. E finalmente, minha derradeira sugestão é o marco de
Raízes Do Brasil (1936), do historiador Sérgio Buarque de Holanda
(1902-1982) que, pelo menos, irá nos apresentar categorias analíticas
essenciais para a compreensão do homem brasileiro. Categorias como a do “homem
cordial”, esse estranho ser da conciliação e que nos leva para uma confusão
oceânica no exercício republicano de distinguir aquilo que é público daquilo
que é privado.
São
singelas sugestões para a elevação da qualidade de nossas intervenções e que
certamente, irão precisar para todos o que é o Estado brasileiro, qual a sua
real importância para a composição da vida brasileira, seus vícios e virtudes.
Recordo que afinidades ou opções pessoais não fazem ciência, não revelam o
real. Isso vem do estudo, da pesquisa e da análise séria, profunda e íntegra.
Leva tempo, exige dedicação, envolvimento e seriedade ou não se faz.
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