Quando foi lançado
há cinco anos nos Estados Unidos, o livro do educador Doug Lemov foi recebido
com um misto de entusiasmo e crítica. Diretor de uma rede de escolas privadas
que atendem alunos pobres com recursos públicos, Lemov observou e filmou por
cinco anos a atuação de bons professores em sala de aula.
Desse trabalho surgiu
“Teach Like a Champion”, traduzido no Brasil pela Fundação Lemann como “Aula
Nota Dez”. Num mercado repleto de publicações sobre teorias pedagógicas, mas
com quase nada sobre práticas de sala de aula, o livro virou rapidamente um
best-seller.
Até hoje, no
entanto, há quem o critique por dar ênfase demasiada à prática e desprezar
teorias. Lemov responde afirmando que seu livro não tem a pretensão de ser o
único a ser usado em escolas. O problema, afirma, é que boa parte das teorias
pedagógicas é feita por profissionais que estão fora de sala de aula.
Para ele,
o professor não pode ser tratado só como alguém que executará a teoria de
outros. Precisa ser respeitado também como alguém que tem soluções a dar para
os problemas que ele mesmo vivencia na prática.
Lemov está lançando
nos Estados Unidos uma segunda versão de seu livro. E terá seu trabalho
avaliado no Brasil. Além da tradução de “Aula Nota Dez”, a Fundação Lemann
elaborou um programa de gestão de sala de aula para formação de professores e
coordenadores pedagógicos, baseado nas 49 técnicas descritas pelo educador
americano. O programa será implementado em escolas estaduais cearenses, que
serão avaliadas pelo Banco Mundial.
O Globo – O senhor continuou
estudando técnicas de bons professores após seu primeiro livro?
Doug Lemov -
Sim. O livro lista 49 técnicas de grandes professores. Percebi que várias vezes
me perguntavam sobre quais delas seriam as mais importantes. Isso me levou a
reorganizar o livro em torno de quatro ideias principais e incluir técnicas que
não constavam do primeiro.
O Globo – Quais seriam essas ideias
principais?
Lemov – Uma das mais importantes é a que eu chamo de
“checar pelo aprendizado.” A marca de um grande professor é entender a
diferença entre “eu ensinei” e “eles aprenderam”. Esses profissionais estão
constantemente querendo entender não apenas o que os estudantes sabem, mas
principalmente aquilo que não sabem. Numa das técnicas, que descrevo como a
“cultura do erro”, fizemos um vídeo de um professor que circula pela sala de
aula e percebe que muitos alunos estão cometendo erros comuns. Um deles mostra
ao professor seu erro, e o professor diz “que bom que você cometeu esse erro,
pois isso me permitirá ajudá-lo melhor. Vamos aprender a partir disso”. Parece
algo óbvio, mas o importante aqui é o professor passar a mensagem aos alunos de
que é normal estar errado, e que errar é parte importante do caminho para o
aprendizado.
Também reforço a
ideia, já presente no primeiro livro, de que é preciso ter altas expectativas
acadêmicas a respeito de todos os alunos. A terceira ideia é a de que é preciso
estruturar a aula de modo que todos os alunos tenham tempo para desenvolver
atividades cognitivas, em vez de ficar apenas assistindo ao professor. Um dos
capítulos do meu novo livro que julgo mais importantes é o que fala da
importância da escrita.
O Globo – O senhor pode dar um
exemplo?
Lemov -Escrever é um dos atos mais rigorosos que um
estudante pode fazer. Requer que você entenda uma ideia e saiba descrevê-la de
forma exata em suas próprias palavras. Se você fizer isso bem, é porque
entendeu. Quando você fala, pode usar gestos ou ser menos preciso. Quando
escreve, são só suas palavras. Além disso, ao exigir que todos escrevam, o
professor estimula todos a trabalhar, e não apenas alguns.
O Globo – E qual seria a quarta
ideia?
Lemov – Ajudar o professor a criar uma cultura positiva de
comportamento nos estudantes. Quando lancei meu primeiro livro, uma parcela
significativa, tanto dos que gostaram quanto dos que não gostaram, entendeu,
equivocadamente, que ele se resumia a dar dicas de como controlar e disciplinar
os estudantes. O importante aqui, que eu procurei deixar claro agora nessa
segunda versão, é que as técnicas para melhorar o ambiente de sala de aula
existem para permitir que os alunos aprendam mais. Esse é o foco.
O Globo – O Banco Mundial avaliará o
uso de algumas de suas técnicas em sala de aula. Qual sua expectativa?
Lemov – Espero que as pessoas usem as técnicas para
assegurar que as crianças estejam aprendendo. Parece óbvio, mas vi nos Estados
Unidos algumas redes que diziam ter adotado meu livro mas que, na verdade,
estavam se preocupando apenas com as técnicas mais básicas, de comportamento.
O Globo – Uma parte dos educadores
criticou seu livro por dar uma ênfase exagerada à prática, como se ela fosse
mais importante do que a teoria.
Lemov – Não existe apenas um livro no mundo. É muito
importante ter publicações que falem sobre a prática docente. Não significa que
não se deva estudar teoria, mas o que acontecia, ao menos nos Estados Unidos,
era que praticamente só havia livros teóricos, e muitos profissionais chegavam
à sala de aula sem saber como resolver problemas cotidianos. Também acho que é
importante aprender a partir da experiência de professores.
Muitas teorias são
escritas por gente que não está em sala de aula, que não trabalha nela todo
dia. Não sei como é no Brasil, mas nos Estados Unidos temos um problema grave
de baixo status da carreira docente. É importante respeitar os professores.
Eles não podem ser tratados apenas como pessoas que vão executar teorias de
outros. As soluções de problemas de sala de aula precisam ser pensadas
principalmente pelos professores.
Fonte: O Globo
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