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sexta-feira

Uma abordagem psicopedagógica sobre a (in)disciplina na escola

Ao escrever sobre o tema, fiz algumas possíveis considerações a respeito da construção da estrutura moral da criança e a relação desta com a (in) disciplina escolar. Disciplina vem da palavra discípulo e classificá-la como algo que se tem, ou não,acaba por passar por uma visão moralizante, uma questão de valor. Por vezes, atribuímos a falta de disciplina ao outro, que as crianças não tem limites, que têm dificuldades em atender regras... Porém sabemos que também nós, não somos disciplinados. Vivemos em uma sociedade, em que não temos tempo e por isso almoçamos no horário que dá, não temos organização nem para impor rotina na vida das nossas crianças. Portanto, podemos concluir que isso é algo que se começa a construir em casa.
Quando a criança é muito pequena, ainda não frequenta a escola, aprende é com seus pais ou com quem os substituam, seus primeiros ensinantes. Suas estruturas cognitiva, subjetiva e moral, começam a ser construídas. Pensando na aprendizagem como “uma teia” que se tece todos os dias, nenhuma criança chega à Escola “desteiada”.
Crianças bem pequenas já têm valores como o gosto pelas regras, pela disciplina e pelo fazer bem-feito. Só que o adulto não percebe. A criança faz isto nas brincadeiras: elas mesmas estabelecem regras e se submetem a elas, pois são regras coletivas. É interessante observar como elas se organizam: estabelecem combinados entre elas e os seguem, caso contrário a brincadeira acaba!
Para os alunos da Educação Infantil, o recurso lúdico, a fantasia, as dramatizações são a melhor maneira de trabalhar regras. Brincadeiras em que o adulto dá uma ordem e a criança deve cumprir, simplesmente já é o começo da compreensão de que há uma diferença entre ela (a criança) e o adulto. É importante que a criança tome consciência disso, pois para ela isso significa segurança, estabilidade, e se sente cuidada.
Sabe-se que quando muito pequena, a criança possui uma moral por anomia ,ou seja, embora não haja compreensão do significado de regras, obedece a seus pais, por medo de perder seu amor, por receio de ser punida,ou ainda de desagradá-los. Sente-se envergonhada por não corresponder ao que eles esperam dela.
O sentimento de vergonha tem origem no fato de eu “me saber” objeto do olhar, da escuta e do pensamento do outro. “A ferida moral é a vergonha”, escreve La Taille. Surge a partir dos 18 meses de idade, quando a criança já se reconhece no espelho, ou seja, toma consciência do que é para o olhar alheio. Embora tenha características do egocentrismo, seus primeiros sinais de vergonha ou de embaraço sinalizam uma tomada de consciência do que ela é para o olhar alheio. Ela baixa os olhos, cessa a atividade, claramente constrangida, envergonhada.
Neste primeiro estágio de vida, o olhar dos pais será todo poderoso. Tanto motivos de orgulho quanto os de vergonha, serão de certa forma impostos pelos outros.
Na fase seguinte, nos primeiros anos de vida escolar, surge outra compreensão de moral e ética pela criança, que se caracteriza por um sentimento único da criança pelo adulto, portanto é ainda um sentimento unilateral.
À medida que vão crescendo, e, portanto, tendo maior compreensão de si mesmas e do mundo que as cerca, as crianças reconhecem a existência de regras e quem as determina. Neste estágio, a moral é por heteronomia, ou seja, o sujeito recebe do outro as regras que deve seguir, mas ainda precisam de um adulto que sinalize sempre aquilo que está certo ou errado. Apesar de não compreenderem as regras de convívio social, acatam as normas dependendo de onde vem e que as impõe.
De 7 a 11 anos, as crianças já têm conceitos sobre a disciplina, pois já entendem que sem uma boa regra as coisas não funcionam bem. O “convencimento” é feito de outra forma, de forma empírica, ou seja, dentro de discussões onde todos podem opinar. A partir daí a estrutura moral evolui para a autonomia.
Há alguns equívocos quanto à autonomia, como se as regras estivessem dentro do próprio sujeito ( ou que ele as tenha construído) e interpreta-se que o sujeito autônomo é quem faz o que acha certo, de acordo com suas próprias ideias. As regras para serem estabelecidas e respeitadas, necessitam de um acordo entre as partes envolvidas, portanto o sujeito deve levar o outro em consideração.
Esta visão equivocada (de que o próprio sujeito constrói suas regras) leva algumas escolas permitirem que seus alunos “estejam livres” para decidir as regras de acordo com suas ideias, como não se vivessem em sociedade. Crianças e jovens, com dificuldades de lidar com normas e limites, podem apresentar uma conduta desordenada, traduzida como “tumulto”, “bagunça” e enfretamento da autoridade pedagógica.
Minha experiência como psicopedagoga e orientadora educacional tem me mostrado claramente estas questões: o sujeito com quem lidamos tem um outro tempo histórico e social, muitas vezes confrontando com modelos de uma escola idealizada. A indisciplina, portanto, pode sinalizar um sintoma entre o pedagógico e as relações de professor/aluno, gerando desordens, perturbações no ambiente escolar. Não podemos esquecer que este aluno traz “nós de nós”, nós de família, nós de relações conflituosas em seu ambiente social, nós da cultura, dos valores vivenciados e cada qual com sua estrutura moral em formação, assim como suas estruturas física, cognitiva e emocional.
Há momentos durante a aula em que se faz necessário o silêncio, o ouvir, o perguntar, o questionamento ordenado aguardando, cada um, a sua vez de se posicionar.Há outros, porém, que a troca de ideias, o trabalho em grupo, ou em duplas, o ruído se faz presente, a aprendizagem está sendo partilhada.
“Disciplina é um conteúdo a mais a ser trabalhado pela escola”, diz Lino de Macedo. À medida que vão adquirindo mais autonomia e entendendo que sem o respeito às regras e limites não é possível haver aprendizagem, organizam-se interna e concretamente.
Malban Tahan,em uma de suas histórias,conta que havia um rei muito rígido que não aceitava desordem, desorganização e,principalmente,que se cometessem erros. Uma noite, durante o jantar, um servo vai servir a sopa e deixa cair uma gota da saborosa refeição em sua roupa real. Furioso, o rei manda decapitar o servo displicente. O pobre coitado então lhe derrama toda a sopa na roupa. O rei assustado com a irreverência de seu criado lhe diz: “Já ordenei que sua cabeça fosse cortada e você ainda suja mais ainda a minha roupa?” E o servo lhe responde: “Se serei decapitado, que seja por um motivo maior.”
Muitas vezes, por intolerância, por arrogância, pelo poder que o lugar do conhecimento lhe atribui, professores não compreendem, são impacientes e expulsam seu aluno de sala, por indisciplina. Será que não estão agindo como o rei da história? Minha experiência com alunos adolescentes tem me mostrado que é possível agir de outra forma sem que tais fatos atinjam nossa identidade profissional. É preciso dar uma “moratória”. É preciso permitir uma flexibilidade, um refletir sobre, considerando a história que cada um traz consigo.

Dora Amorim Romero.

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